Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que redes sociais e outras plataformas digitais podem ser responsabilizadas por conteúdos ilegais publicados por seus usuários, mesmo antes de uma ordem judicial. A decisão foi tomada nesta quinta-feira (26), com o placar de 8 votos a 3, ao julgar a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet. A maioria dos ministros da Corte considerou o trecho parcialmente inconstitucional, alterando substancialmente a maneira como empresas como Facebook, Instagram, X (antigo Twitter), YouTube e outras deverão agir diante de postagens que violem a legislação brasileira.
Plataformas terão que agir após notificações extrajudiciais
O ponto central da discussão foi a exigência, até então válida, de ordem judicial para responsabilizar as plataformas por conteúdos de terceiros. Com a nova interpretação da Suprema Corte, essa exigência deixa de valer em casos de conteúdos manifestamente ilegais, como incitação ao terrorismo, atos antidemocráticos, discursos de ódio, incentivo ao suicídio ou automutilação, pornografia infantil, tráfico de pessoas, violência contra a mulher e discriminação racial ou de gênero.
A partir de agora, essas plataformas deverão agir prontamente diante de notificações extrajudiciais feitas por usuários, advogados ou entidades sobre conteúdos que aparentam ser ilícitos. Caso não removam essas postagens de forma ágil e o Judiciário confirme sua ilegalidade posteriormente, a empresa poderá ser responsabilizada civilmente por eventuais danos causados.
A decisão foi tomada em dois casos concretos que chegaram ao STF por meio de recursos extraordinários. Em um deles, o Facebook contestava uma decisão que o obrigava a pagar indenização por danos morais após a criação de um perfil falso. No outro, o Google questionava a obrigação de retirar conteúdos ofensivos sem decisão judicial. Os ministros relataram que, diante do novo cenário digital, com o poder concentrado nas mãos de grandes corporações tecnológicas, o marco legal de 2014 precisa de interpretação mais rígida.
Ministros divergiram sobre liberdade de expressão e regulação
O último voto do julgamento foi do ministro Nunes Marques, que se manifestou contra a responsabilização direta das plataformas. Segundo ele, a criação de novas regras nesse sentido deve caber ao Congresso Nacional. Para o ministro, a liberdade de expressão é cláusula pétrea da Constituição e só deve ser restringida de forma excepcional. “A liberdade de expressão é pedra fundamental para a necessária troca de ideias, que geram o desenvolvimento da sociedade”, afirmou.
Nunes Marques foi acompanhado pelos ministros André Mendonça e Edson Fachin, que também defenderam a manutenção do texto original do Marco Civil, segundo o qual só há responsabilização da plataforma após decisão judicial.
Por outro lado, a maioria formada pelos ministros Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia defendeu uma abordagem mais dura. Para Cármen Lúcia, o ambiente digital mudou radicalmente desde a sanção da lei, em 2014, e as plataformas tornaram-se “donas das informações”, operando com algoritmos que não são transparentes. “A transformação tecnológica impõe uma nova forma de regulação, sob risco de completa desinformação”, afirmou.
Decisão muda padrão da internet no Brasil
O ministro Alexandre de Moraes foi enfático ao criticar o modelo de negócios das chamadas big techs, que, segundo ele, “atuam no Brasil como se fosse uma terra sem lei”. Já Gilmar Mendes disse que o Artigo 19 está ultrapassado e que a responsabilização não ameaça a liberdade de expressão, mas garante a proteção de direitos fundamentais. Cristiano Zanin ressaltou que o artigo, como está, impõe ao cidadão a responsabilidade de acionar a Justiça, o que gera sobrecarga ao sistema judiciário e desproteção à vítima.
Luiz Fux e Dias Toffoli foram além: defenderam que postagens ilegais possam ser removidas diretamente pelas plataformas mediante simples notificação extrajudicial, sem necessidade de aguardar qualquer manifestação judicial.
Barroso, atual presidente da Corte, diferenciou os tipos de conteúdo. Para ele, postagens que configurem crimes contra a honra (como calúnia, difamação e injúria) ainda devem exigir decisão judicial. Contudo, para casos mais graves como terrorismo ou ataques à democracia, a simples notificação já impõe à rede a responsabilidade de remoção, sob pena de ser responsabilizada pelos danos causados.
Com a decisão, o Supremo estabelece um novo parâmetro que deverá impactar todo o ecossistema digital brasileiro. Plataformas deverão investir mais em mecanismos internos de avaliação de conteúdo, revisar suas políticas de moderação e atuar de forma mais ágil e transparente para evitar sanções. Além disso, o julgamento envia um recado claro: o ambiente virtual deve ser regido pelos mesmos princípios de legalidade e proteção à dignidade humana que vigoram no mundo real.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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