Niterói, localizada a cerca de 30 minutos da capital do Rio de Janeiro e por anos considerada um dos melhores lugares para se viver no estado, enfrenta atualmente um forte desgaste em sua imagem. Segundo o Índice de Progresso Social (IPS) 2025, o município que liderava o ranking fluminense no ano passado caiu da 1ª para a 6ª posição entre as cidades do estado, sendo ultrapassado por cinco municípios que avançaram em áreas essenciais à qualidade de vida.
No cenário nacional, a queda foi ainda mais expressiva e preocupante: Niterói passou da 133ª posição para o 404º lugar entre os 5.570 municípios brasileiros analisados. A cidade, que já foi destaque por seu alto nível educacional, acesso à saúde e desenvolvimento urbano, agora enfrenta uma crise de desempenho em múltiplas frentes sociais, revelando problemas estruturais que vão além da imagem de cidade-modelo construída ao longo das últimas décadas.
Com uma população estimada em cerca de 515 mil habitantes, Niterói integra a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e tem uma das economias mais robustas do estado. No entanto, a nova classificação no IPS revela que o desenvolvimento econômico não tem se traduzido em avanços sociais efetivos para a população, o que acende o sinal de alerta para gestores, especialistas e cidadãos.
Entenda o que é o IPS e por que ele importa
O Índice de Progresso Social (IPS) é uma ferramenta de análise internacional que avalia o desempenho dos municípios em relação ao bem-estar social de seus habitantes, independentemente do desempenho econômico. Ao contrário de outros índices, como o PIB per capita, o IPS foca em aspectos que afetam diretamente a vida das pessoas, agrupados em três dimensões principais:
- Necessidades humanas básicas, como acesso à moradia digna, segurança, saneamento e serviços de saúde;
- Fundamentos do bem-estar, incluindo acesso à educação básica e superior, qualidade ambiental e acesso à informação;
- Oportunidades, que analisam direitos individuais, inclusão social, liberdade pessoal e mobilidade social.
A queda de Niterói em todos esses pilares indica uma fragilização sistêmica dos serviços públicos e políticas sociais da cidade. O que antes era referência em planejamento urbano e desenvolvimento sustentável, hoje aparece como alerta de estagnação e retrocesso.
Onde Niterói falhou?
Segundo os dados do IPS, Niterói apresentou declínio significativo nos indicadores de saúde, segurança e educação pública. Relatórios apontam que os postos de saúde da cidade têm enfrentado dificuldades com falta de insumos e profissionais, e a demora no atendimento virou uma reclamação recorrente entre moradores de diferentes regiões.
Na área da segurança pública, mesmo com o apoio do Governo do Estado em operações integradas, o aumento de pequenos furtos e da sensação de insegurança em bairros tradicionais como Icaraí, Santa Rosa e Fonseca vem afetando o cotidiano dos moradores. Esses problemas refletem diretamente na nota atribuída à cidade no quesito “necessidades humanas básicas”.
Já na educação, dados mostram queda no desempenho dos alunos da rede municipal em exames padronizados, como a Prova Brasil. Além disso, escolas públicas sofrem com superlotação, infraestrutura precária e carência de projetos extracurriculares pontos que impactam os fundamentos do bem-estar, segundo o IPS.
Cidades que ultrapassaram Niterói
Embora o IPS 2025 ainda não tenha detalhado todas as cidades fluminenses que ultrapassaram Niterói, especialistas apontam que municípios como Petrópolis, Teresópolis, Volta Redonda e Macaé têm mostrado avanços consistentes em áreas sociais. Em particular, essas cidades vêm se destacando pela ampliação da cobertura de saúde básica, projetos de educação integral e políticas de inclusão social voltadas para juventude e população vulnerável.
Reações e silêncio do poder público
A repercussão da nova classificação gerou movimentações políticas locais e questionamentos da sociedade civil. Ainda que as autoridades municipais tenham sinalizado continuidade nos projetos estruturais, a percepção entre diversos setores da população é de que houve um distanciamento entre o planejamento e a execução prática das políticas sociais.
A perda de protagonismo de Niterói no cenário estadual e nacional levanta discussões sobre os rumos do desenvolvimento urbano no município. Especialistas em políticas públicas apontam que o desafio atual vai além de recuperar posições no ranking. Trata-se de reconstruir a credibilidade das instituições locais e de estabelecer um novo pacto social baseado em planejamento estratégico, inclusão, equidade e transparência.
Moradores também reagiram com críticas. “Niterói sempre foi conhecida pela qualidade de vida, mas nos últimos anos tudo piorou. A saúde está um caos, a cidade está suja, o trânsito piorou, e a segurança já não é mais a mesma”, lamenta a professora aposentada Clarice Martins, moradora do bairro Gragoatá há mais de 30 anos.
O presidente da Associação de Moradores de Santa Bárbara, bairro da Zona Norte, também fez críticas duras: “A prefeitura abandonou as áreas mais carentes. Só se vê obra em bairros nobres. O povo pobre está ficando cada vez mais esquecido.”
Diagnóstico e caminhos possíveis
Para especialistas em gestão pública, o momento é de autocrítica e reconstrução. O urbanista Rafael Martins, da PUC-Rio, destaca que a cidade precisa de um plano estratégico urgente para reverter os índices negativos. “Não se trata apenas de aumentar investimentos, mas de fazê-los de forma coordenada, com metas claras e participação social efetiva. A queda no IPS mostra que o modelo atual esgotou-se”, analisa.
Entre os pontos prioritários que especialistas recomendam para reverter o quadro, estão:
- Reforço na atenção básica à saúde, com contratação de equipes multidisciplinares;
- Requalificação da educação pública, com valorização docente e estrutura adequada nas escolas;
- Ampliação de programas de segurança comunitária;
- Incentivo à sustentabilidade ambiental e transporte coletivo de qualidade;
- Criação de políticas públicas voltadas à inclusão social de juventude e idosos.
Para Rafael, o desafio de Niterói não é mais apenas recuperar posições no ranking, mas restabelecer a confiança da população em seu futuro. “Os números são graves, mas podem ser superados com liderança e visão.”
Por Alemax Melo I Revisão: Lais Queiroz
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