A ofensiva do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao anunciar uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, causou forte reação no meio político, econômico e também jurídico. Segundo advogados que atuam na defesa de réus do caso que apura a tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, a medida interpretada como um gesto em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro pode acabar endurecendo ainda mais o julgamento conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente pelo ministro Alexandre de Moraes.
Cinco advogados de diferentes réus, ouvidos sob condição de anonimato, afirmam que a ação de Trump, ao invés de aliviar a pressão sobre Bolsonaro, pode provocar o efeito oposto. “Embora seja uma situação preocupante e injusta, com uma atuação arbitrária do presidente Trump, acredito que em nada mudará a situação do Bolsonaro”, disse um deles. “Penso até que pode ter um efeito ricochete e agravar a situação dele, porque sabemos que isso é fruto da atuação do Eduardo Bolsonaro lá nos EUA.”
Eduardo, filho do ex-presidente, licenciou-se do mandato de deputado federal e mudou-se para os Estados Unidos. A Polícia Federal investiga se ele tem atuado diretamente na articulação de ações contra o Brasil em solo americano. Poucos dias antes do anúncio do tarifaço, Alexandre de Moraes prorrogou por mais dois meses o inquérito que apura a conduta de Eduardo no exterior.
Outro advogado, com bom trânsito no meio jurídico de Brasília, reforça a tese de que o gesto de Trump pode ser prejudicial para Bolsonaro. “O que os bolsonaristas esperavam era gerar constrangimento ao STF e buscar apoio externo. Mas, na prática, isso tende a ser visto como ingerência e pode acirrar o entendimento de que há uma rede internacional contra a democracia brasileira.”
Um terceiro defensor foi ainda mais direto: “Não muda nada. Só piora. Acho que vem paulada em todos nós.” Para outro, o episódio deixa evidente que “há um esforço para politizar o julgamento com pressões externas, e isso o Supremo não tolera”.
Momento-chave no julgamento
O anúncio das tarifas veio justamente no momento em que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, se prepara para apresentar seu parecer final sobre o caso que pode levar Jair Bolsonaro à condenação por tentativa de golpe. Fontes próximas ao gabinete do PGR afirmam que, apesar da turbulência diplomática gerada por Trump, não há qualquer chance de recuo.
“O parecer está praticamente pronto e não será alterado por causa de pressões externas. A atuação do Ministério Público é técnica, baseada em provas, e não cederá a esse tipo de movimento”, disse um procurador sob reserva.
A previsão é que o caso seja julgado até setembro pela Primeira Turma do STF, composta pelos ministros Cristiano Zanin, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Alexandre de Moraes. O processo ganhou ritmo acelerado após a prisão do general Walter Braga Netto, apontado como um dos líderes do chamado “núcleo operacional” do plano golpista.
Moraes, que tem evitado manifestações públicas sobre o caso, justificou a aceleração dos trâmites justamente pela gravidade da situação. A decisão de Trump é vista como mais um elemento que poderá ser considerado no contexto geral do julgamento especialmente se ficar comprovado algum nível de articulação política internacional.
STF sob ataque e resistência institucional
A fala de Trump, surpreendeu pela ênfase: ele classificou o processo contra Bolsonaro como “uma injustiça contra um patriota” e criticou abertamente o STF, afirmando que a Corte brasileira “não representa os interesses do povo”.
Embora o presidente Lula tenha reagido diplomaticamente, classificando a tarifa como “uma agressão à soberania nacional”, o Supremo Tribunal Federal optou pelo silêncio institucional. Nos bastidores, porém, ministros teriam considerado a fala de Trump uma clara tentativa de desestabilizar o processo judicial brasileiro.
O ministro Flávio Dino, sem citar nomes, publicou uma mensagem nas redes sociais que foi interpretada como um recado indireto ao presidente norte-americano: “Uma honra integrar o Supremo Tribunal Federal, que exerce com seriedade a função de proteger a soberania nacional, a democracia, os direitos e as liberdades, tudo nos termos da Constituição do Brasil e das nossas leis.”
Eduardo Bolsonaro no centro do conflito
O papel de Eduardo Bolsonaro em Washington é cada vez mais questionado. A Polícia Federal apura se o deputado tem mantido interlocução direta com setores do governo Trump e com think tanks ligados à extrema-direita americana. A suspeita é que Eduardo esteja atuando para alimentar um clima de hostilidade contra o Judiciário brasileiro.
Nos autos do inquérito, há indícios de que ele participou de reuniões com representantes da Casa Branca e com grupos de mídia aliados ao trumpismo. Esses contatos, segundo fontes da investigação, podem ter influenciado a decisão dos Estados Unidos de adotar a tarifa como forma de retaliação simbólica.
Consequências diplomáticas e jurídicas
Além dos impactos econômicos já sentidos o dólar disparou e a Bolsa recuou após o anúncio da tarifa , o episódio reacendeu o debate sobre a influência de lideranças estrangeiras em processos jurídicos internos. Embora a decisão de Trump seja de natureza comercial, sua motivação política é evidente.
Para o STF e para o Ministério Público, esse tipo de atitude apenas reforça a necessidade de manter firmeza e independência. Como afirmou um ministro à imprensa, “o Brasil é um Estado soberano e não se curvará a interesses estrangeiros, muito menos quando estes servem para proteger quem atentou contra a nossa democracia”.
Com a previsão de julgamento se aproximando e a pressão internacional em alta, o cenário se mostra cada vez mais desfavorável a Bolsonaro. E, segundo os próprios advogados de defesa, a aposta na interferência externa pode ter sido um grande erro de cálculo.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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