O Brasil enfrenta uma escalada preocupante nos casos de hepatite A. Dados oficiais do Ministério da Saúde revelam um aumento de 325% na taxa de incidência da doença entre os anos de 2022 e 2024. O crescimento é puxado, sobretudo, por jovens do sexo masculino, com destaque para a região Sudeste do país especialmente o estado de São Paulo, onde a capital vive, atualmente, um surto da infecção.
Segundo levantamento da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP), o estado registrou 974 casos confirmados da doença apenas entre janeiro e o início de julho de 2025. O número representa um salto de 95,6% em relação ao mesmo período de 2024, quando houve 498 casos notificados. Para conter o avanço, o governo paulista lançou um painel on-line interativo, que permite o monitoramento em tempo real dos casos de hepatite A e outras doenças de transmissão hídrica e alimentar, como febre tifóide e poliomielite.
O painel disponibiliza dados por sexo, faixa etária, número de casos por município e a taxa de incidência por 100 mil habitantes. A ferramenta foi criada para auxiliar autoridades sanitárias e profissionais da saúde na tomada de decisões rápidas diante do aumento das notificações em diversas regiões do estado.
Surto na capital paulista
A cidade de São Paulo é atualmente o epicentro da epidemia no Brasil. Segundo o Boletim Epidemiológico da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), entre os dias 1º de janeiro e 15 de maio de 2025, foram registrados 353 casos confirmados de hepatite A na capital, com três mortes no período. Em comparação, ao longo de todo o ano de 2024, foram notificados 618 casos e apenas um óbito.
Os dados apontam um predomínio da infecção entre homens (71,7%) e adultos jovens com idades entre 18 e 39 anos (67,5%).
Desde maio, a vacinação contra hepatite A foi ampliada para usuários da PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV), além de homens que fazem sexo com homens, como forma de frear o avanço da doença. A vacina está disponível de forma gratuita em Unidades Básicas de Saúde (UBSs), sem necessidade de agendamento, mediante declaração do próprio paciente.
Contudo, o alerta é geral. O infectologista Rico Vasconcelos, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), reforça que o risco de contaminação não se restringe a uma população específica. “A hepatite A é transmitida pela via fecal-oral. Em práticas como sexo anal ou oral-anal, o vírus, que é eliminado pelas fezes, pode entrar em contato com a boca da outra pessoa. Por isso, qualquer indivíduo exposto a esse tipo de contato está vulnerável à infecção, independentemente da orientação sexual”, explica.
Outras regiões em alerta
Além da capital paulista, cidades como Campinas (SP), Santos (SP), Belo Horizonte (MG) e o Rio de Janeiro (RJ) também apresentaram aumento no número de casos, embora em menor proporção. A região Sudeste, por sua densidade populacional e pela concentração de eventos e mobilidade urbana, é considerada a mais crítica no momento.
No restante do país, há monitoramento ativo em estados do Norte e do Nordeste, especialmente em áreas com saneamento básico precário e baixa cobertura vacinal.
O que é a hepatite A?
A hepatite A é uma doença infecciosa causada por vírus (HAV) e transmitida principalmente por água ou alimentos contaminados, contato direto com fezes infectadas ou por práticas sexuais de risco. Os sintomas mais comuns incluem febre, náusea, mal-estar, dor abdominal, urina escura, fezes claras e icterícia (coloração amarelada na pele e nos olhos).
Diferentemente das hepatites B e C, a hepatite A não evolui para a forma crônica e, na maioria dos casos, o organismo elimina o vírus espontaneamente. No entanto, casos graves podem levar à insuficiência hepática aguda e até à morte, principalmente em pacientes com o sistema imunológico debilitado.
A doença pode ser prevenida com a vacina, que está incluída no calendário nacional de imunização do SUS e é indicada a partir dos 12 meses de idade. Adultos que não foram vacinados na infância e pertencem a grupos de risco também podem ser imunizados gratuitamente.
Panorama das hepatites virais no Brasil
O aumento nos casos de hepatite A reacende a necessidade de atenção às hepatites virais como um todo um grupo de doenças silenciosas e, muitas vezes, negligenciadas.
- Hepatite A: Transmissão fecal-oral, via alimentos, água ou práticas sexuais. Prevenção com vacina. Não cronifica.
- Hepatite B: Transmitida por contato sexual desprotegido, compartilhamento de seringas, lâminas e escovas de dente. Tem vacina em três doses. Pode se tornar crônica e evoluir para cirrose e câncer de fígado.
- Hepatite C: Transmissão por contato com sangue contaminado. Sem vacina, mas com tratamento eficaz e gratuito pelo SUS, com chances de cura acima de 95%.
- Hepatite D: Infecta somente pessoas que já têm hepatite B, e por isso a vacinação contra B também protege contra D.
- Hepatite E: Rara no Brasil, associada a consumo de água contaminada. Mais comum em países com condições sanitárias precárias.
Segundo a SES, o Brasil ainda enfrenta desafios para ampliar a testagem e a cobertura vacinal contra as hepatites. A pasta reforça que “a vacinação contra hepatite A, B e outras infecções está disponível nas unidades do SUS e é fundamental para prevenir casos graves”.
Cuidados e prevenção
A população em geral deve ficar atenta a práticas simples de prevenção, como:
- Lavar bem as mãos antes de comer e após ir ao banheiro
- Evitar o consumo de água sem tratamento
- Lavar frutas e vegetais crus com água potável
- Praticar sexo seguro com uso de preservativos
- Manter o cartão vacinal atualizado
Além disso, qualquer pessoa que apresente sintomas como cansaço extremo, febre persistente, urina escura ou icterícia deve procurar imediatamente uma unidade de saúde para realizar exames e receber acompanhamento médico.
Com a proximidade de grandes eventos e o aumento da circulação de pessoas, autoridades reforçam que a vacinação e a informação são as melhores armas contra surtos como o atual. Embora a hepatite A tenha cura, os impactos de um surto descontrolado podem sobrecarregar o sistema de saúde e levar a desfechos trágicos como já demonstrado em São Paulo neste ano.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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