O Brasil enfrenta uma crescente crise de saúde mental, e um dos termômetros mais precisos desse cenário é o volume de ligações recebidas diariamente pelo Centro de Valorização da Vida (CVV): entre 10 mil e 13 mil chamadas por dia. Por trás de cada uma delas, há alguém em sofrimento, buscando um espaço seguro para ser ouvido muitas vezes, em um momento decisivo da vida.
O CVV é uma associação civil sem fins lucrativos, de caráter filantrópico, fundada em São Paulo no ano de 1962. De lá para cá, o serviço se expandiu e se tornou uma das principais redes de apoio emocional no país, oferecendo atendimento gratuito e sigiloso a qualquer pessoa que deseje conversar, independentemente da situação.
A primeira filial do CVV fora de São Paulo foi aberta em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Atualmente, o centro está presente em diversas capitais brasileiras, incluindo Belo Horizonte, Curitiba, Brasília, Salvador, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro, entre outras. A instituição mantém postos ativos em mais de 120 cidades, abrangendo 20 estados e o Distrito Federal, com atendimento também disponível por telefone, pelo número 188, além do site e chat online.
Segundo o site da organização, são realizados mais de 2,7 milhões de atendimentos por ano, com o apoio de aproximadamente 3.300 voluntários em todo o Brasil. Em 2024, apenas no primeiro trimestre, foram registradas mais de 640 mil ligações, uma média de 7 mil atendimentos diários, de acordo com dados recentes. No entanto, em períodos de alta demanda, esse número ultrapassa facilmente os 10 mil.
O atendimento do CVV é feito de maneira totalmente anônima e empática. A cada ligação, a pessoa em sofrimento conversa com um voluntário diferente, sempre em um ambiente fechado e silencioso, que permite total concentração e acolhimento. O processo de escuta ativa busca garantir que quem está do outro lado da linha se sinta ouvido, compreendido e respeitado, sem julgamentos.
Vera Borges, voluntária e porta-voz do CVV Porto Alegre, revela que a fila de espera para atendimento pode durar até uma hora, dependendo do dia. “A procura é extremamente alta. As datas comemorativas, como Dia das Mães, Natal, e também o Setembro Amarelo, são os momentos de maior movimento. O telefone não para”, afirma.
Essa demanda crescente escancara o impacto da solidão e dos transtornos emocionais na sociedade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já classificou a solidão como uma “epidemia global”, reconhecendo que a desconexão social é um dos fatores que mais afeta o bem-estar da população. No Brasil, esse fenômeno se reflete nas estatísticas do CVV, onde o desabafo e a necessidade de escuta têm se tornado cada vez mais urgentes.
Para atender bem quem procura o serviço, o processo de formação dos voluntários é rigoroso. Um novo voluntário passa por até seis meses de capacitação antes de realizar seu primeiro atendimento. Além disso, ele é acompanhado por colegas experientes e passa por treinamentos contínuos, que ocorrem durante todo o tempo de atuação. Cada voluntário trabalha uma vez por semana, em turnos de três horas, no dia de sua preferência.
“É um trabalho difícil, que exige entrega emocional. Por isso, estamos sempre em busca de mais pessoas dispostas a ajudar”, explica Vera. E completa: “Nem sempre temos voluntários suficientes para dar conta da demanda. Quanto mais gente puder colaborar, mais pessoas conseguimos alcançar.”
Para quem deseja se tornar voluntário, basta ter mais de 18 anos e se inscrever no curso gratuito de capacitação disponível no site do CVV (cvv.org.br). O treinamento pode ser feito online ou presencialmente, dependendo da localidade. Ao final do processo, o novo voluntário passa a integrar uma rede de apoio emocional que salva vidas.
Já para quem precisa conversar, o serviço funciona todos os dias, 24 horas por dia. A ligação para o número 188 é gratuita e pode ser feita de qualquer lugar do país. Também é possível conversar com um voluntário pelo chat disponível no site ou por e-mail.
O CVV não oferece aconselhamento ou direcionamento, sua principal missão é ouvir com atenção, acolher com empatia e respeitar cada história. Em tempos de dor invisível e sofrimento silenciado, essa escuta pode representar uma nova chance.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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