Após dias de intensas negociações e risco de impasse diplomático, os países do Brics conseguiram chegar a um acordo sobre os termos da declaração final da cúpula que acontece neste domingo (6), no Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro. O entendimento foi alcançado neste sábado (5), superando o principal obstáculo: as exigências do Irã em relação à linguagem sobre ataques militares sofridos pelo país.
Fontes envolvidas diretamente nas conversas confirmaram que não restam mais pontos de divergência entre os membros do bloco, o que garante que o texto será levado aos chefes de Estado com unidade. O Brics é composto atualmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, além de novos integrantes como Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Reforma da ONU e protecionismo
Entre os pontos centrais do documento está o apoio conjunto à reforma do Conselho de Segurança da ONU, bandeira histórica do Brasil e que também conta com o respaldo de Índia e África do Sul. Segundo apurou a reportagem, o Egito e a Etiópia, que apresentavam reservas ao tema, concordaram em apoiar o pleito, embora com ressalvas registradas em rodapés do texto, como forma de preservar suas posições diplomáticas junto a outros blocos regionais.
Outro eixo da declaração trata do crescente protecionismo comercial global. O texto afirma que o grupo manifesta “sérias preocupações” com a adoção de medidas unilaterais de elevação de tarifas, sem citar países diretamente. A linguagem adotada, no entanto, é vista como uma crítica implícita à política econômica dos Estados Unidos durante o governo de Donald Trump, cuja guerra comercial com a China inaugurou um novo ciclo de tensões internacionais.
Pressão iraniana
O ponto mais sensível das tratativas foi, desde o início, a pressão do Irã para endurecer a redação sobre os recentes ataques militares de Israel e dos EUA a instalações nucleares e bases militares iranianas. O país queria que o texto final condenasse diretamente Washington e Tel Aviv, mas enfrentou resistência dos demais membros, que preferiam manter uma linguagem mais diplomática.
A tensão chegou ao ápice na noite de sexta-feira (4), quando diplomatas de ao menos três países admitiram temer um impasse semelhante ao da cúpula de 2022, quando divergências sobre a guerra na Ucrânia quase inviabilizaram o comunicado conjunto. Durante a madrugada e ao longo do sábado, as equipes voltaram à mesa de negociação e, com apoio direto de representantes da diplomacia brasileira e indiana, encontraram uma fórmula de consenso.
A solução adotada, segundo uma fonte com acesso ao conteúdo preliminar, foi suavizar os termos e manter a condenação aos ataques, sem citar nomes, mas reforçando a “importância da não intervenção externa” e do “respeito à soberania nacional”. O parágrafo específico sobre o Oriente Médio teria sido reescrito ao menos quatro vezes.
Unidade estratégica
A superação do impasse é vista como uma vitória da diplomacia do bloco, que tem buscado se consolidar como um contraponto à ordem geopolítica ocidental. O Brics vem defendendo, em diversas frentes, a multipolaridade e a ampliação de mecanismos multilaterais com maior participação de países emergentes.
Para o Brasil, anfitrião do encontro, o desfecho das negociações evita o desgaste de uma cúpula esvaziada e reforça o papel do país como articulador entre interesses muitas vezes conflitantes dentro do grupo.
A versão final da declaração será divulgada oficialmente após o encerramento da reunião entre os chefes de Estado, prevista para ocorrer na manhã deste domingo. A expectativa é que o documento também traga menções à transição energética, à cooperação em saúde pública e à criação de alternativas ao sistema financeiro dominado pelo dólar.
A declaração conjunta marcará a conclusão de mais uma etapa no processo de consolidação do Brics como uma aliança política e econômica com ambições globais ainda que marcada por diferenças internas que exigem, cada vez mais, habilidade diplomática para serem administradas.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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