O Governo Federal revelou oficialmente, nesta terça-feira (1º), a identidade visual e o mascote da 30ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP30), que ocorrerá entre os dias 10 e 21 de novembro deste ano, em Belém, no Pará. A figura escolhida para representar o evento é o Curupira, uma das entidades mais emblemáticas do folclore brasileiro conhecido como o guardião das florestas. Com cabelos de fogo e pés voltados para trás, o personagem surge como símbolo da resistência ambiental, da valorização da cultura indígena e da urgência na preservação da biodiversidade.
A decisão de usar o Curupira como mascote da COP30 não é meramente estética. Ela carrega um profundo significado político, cultural e ambiental. O personagem representa o Brasil profundo, ancestral, plural e conectado com a natureza. Ao mesmo tempo, transmite um recado claro à comunidade internacional: o país está comprometido em liderar a luta contra a emergência climática com base em seus saberes tradicionais, suas florestas e seu potencial de preservação ambiental.
A escolha do mascote reforça a identidade da COP30 como uma conferência que será marcada pela presença da floresta amazônica não apenas como cenário, mas como protagonista. Belém, capital do Pará, foi escolhida como sede do encontro e, pela primeira vez, o evento será realizado no coração da maior floresta tropical do planeta, uma oportunidade histórica para ouvir os povos originários, os cientistas, os ambientalistas e os que vivem na região há séculos.
A Conferência das Partes é um evento oficial das Nações Unidas que reúne todos os países signatários da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC). A edição de 2025 é especialmente importante por marcar os dez anos do Acordo de Paris, tratado firmado em 2015 com o objetivo de limitar o aumento da temperatura global a no máximo 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Trata-se de uma meta considerada essencial para evitar efeitos catastróficos do aquecimento global.
Um símbolo com raízes profundas
O Curupira vem da língua tupi-guarani, em que “curumim” significa menino e “pira”, corpo. Na tradição oral dos povos da floresta, ele aparece como um espírito guardião, que protege os animais e as árvores contra caçadores e exploradores predatórios. Os pés voltados para trás são seu principal artifício: ao caminhar pela mata, deixa rastros invertidos para enganar aqueles que tentam segui-lo. É travesso, inteligente, veloz e implacável com quem desrespeita as leis naturais.
De acordo com registros históricos, a primeira menção ao Curupira remonta ao século XVI. O padre jesuíta José de Anchieta descreveu a criatura em uma carta datada de 1560, enviada de São Vicente, no litoral de São Paulo. Na correspondência, o religioso relata que os povos indígenas tinham enorme temor da entidade e realizavam oferendas para apaziguá-lo. Desde então, a figura do Curupira atravessou séculos de história e tornou-se uma das principais representações do folclore brasileiro.
Para a organização da COP30, o Curupira é mais do que um personagem mitológico. Ele simboliza o compromisso da presidência brasileira com a preservação da biodiversidade e a redução das emissões de gases de efeito estufa. Em nota oficial, a presidência da conferência destacou que a escolha do personagem “reflete o compromisso da presidência brasileira em solidificar ações de redução das emissões dos gases que provocam o aquecimento da Terra”.
Uma carta ao mundo
Em carta aberta à comunidade internacional, o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, afirmou que as florestas serão um “tópico central” da conferência e apelou para uma mobilização global em defesa da natureza. “Quando nos reunirmos na Amazônia brasileira em novembro, devemos ouvir atentamente a ciência mais avançada e reavaliar o papel extraordinário já desempenhado pelas florestas e pelas pessoas que as preservam e delas dependem”, declarou o diplomata.
O texto destaca que o mundo ainda dispõe de uma janela estreita para reverter os danos causados ao meio ambiente. “Se revertermos o desmatamento e recuperarmos o que foi perdido, poderemos ativar remoções maciças de gases de efeito estufa da atmosfera e, ao mesmo tempo, trazer ecossistemas de volta à vida”, afirmou Corrêa do Lago.
A carta também valoriza o saber ancestral dos povos indígenas brasileiros e suas formas comunitárias de organização social. O embaixador cita o conceito tupi-guarani de “Motirõ”, que significa esforço coletivo. “A cultura brasileira herdou dos povos indígenas nativos do Brasil o conceito de mutirão, uma comunidade que se reúne para trabalhar em uma tarefa compartilhada. Ao compartilhar essa inestimável sabedoria ancestral e tecnologia social, a presidência da COP30 convida a comunidade internacional a se juntar ao Brasil em um mutirão global contra a mudança do clima”, pontuou.
O papel educativo do mascote
Além de seu valor simbólico e histórico, o Curupira também terá um papel educativo durante a COP30. A imagem do personagem será usada em campanhas de comunicação voltadas à conscientização ambiental, principalmente entre crianças e adolescentes. Escolas da rede pública, organizações sociais e centros culturais serão envolvidos em atividades que utilizam o mascote como ferramenta pedagógica, promovendo o respeito à biodiversidade e o fortalecimento das raízes culturais brasileiras.
Para o pesquisador Paulo Maués, autor do livro Histórias de Curupira, a figura mitológica pode ser um importante agente de transformação. “Personagens como o Curupira, o Boto, a Iara são verdadeiros agentes de consciência ecológica. São ferramentas de educação ambiental, que mostram que é possível respeitar o meio ambiente através de histórias, afetos e identidades culturais”, afirmou Maués.
Ele ressalta que incorporar o Curupira à identidade da COP30 representa um reconhecimento inédito da importância do patrimônio imaterial na construção de uma nova mentalidade ambiental. “Ao invés de importar símbolos, o Brasil está exportando sua própria visão de mundo: uma que reconhece a floresta como viva, que entende a interdependência entre o homem e a natureza, e que coloca os povos tradicionais no centro da solução”, conclui.
Um chamado ao futuro
Com a escolha do Curupira como mascote, o Brasil envia um recado forte e claro ao mundo: enfrentar a crise climática exige mais do que compromissos técnicos ou promessas de gabinete. Requer escuta, conexão com o passado e mobilização coletiva. A floresta amazônica, com toda a sua riqueza natural e espiritual, será o palco da COP30 e o Curupira, seu guardião incansável, será o rosto dessa luta.
A expectativa é que o evento reúna mais de 190 países, com a presença de chefes de Estado, especialistas, organizações da sociedade civil e representantes de comunidades tradicionais. Em meio à urgência climática que assola o planeta, Belém e o Curupira convidam o mundo para um reencontro com a natureza não como recurso a ser explorado, mas como mãe a ser protegida.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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