O governo federal anunciou os novos planos voltados ao setor agropecuário para o ciclo 2025/2026. Enquanto o Executivo comemora a liberação de valores recordes para incentivar a produção agrícola, a resposta do agronegócio veio em tom crítico. Com o aumento nos custos de financiamento, a reoneração de instrumentos estratégicos e a falta de espaço fiscal no orçamento, o lançamento acontece em meio a uma relação cada vez mais tensa com o setor.
O Plano Safra da Agricultura Familiar prevê a liberação de R$ 89,2 bilhões em crédito. Já o Plano Safra Empresarial, voltado aos médios e grandes produtores, é tratado como o maior da história, com expectativa de superar, pelo menos em valores nominais, os R$ 584 bilhões liberados no ciclo anterior.
Apesar do volume bilionário, o setor produtivo não recebeu o anúncio com entusiasmo. O aumento das taxas de juros, combinado com novas regras tributárias para investimentos no campo, alimentou a insatisfação. O principal ponto de atrito é a Medida Provisória que determinou a taxação de 5% sobre os rendimentos das LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio), anteriormente isentas do Imposto de Renda.
Tributação de LCAs aumenta tensão
As LCAs são tradicionalmente uma das principais fontes de financiamento do crédito rural. No entanto, a nova regra fiscal reduziu sua atratividade, e o setor teme um impacto direto na oferta de recursos. Na safra anterior, as letras representavam 43% do funding do setor; esse percentual caiu para 29% recentemente, mesmo antes da aplicação do novo imposto.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) se manifestou contra a mudança. Em nota, classificou a medida como “preocupante” e alertou que a taxação deve “desestimular os investidores” e agravar ainda mais o cenário de crédito. “Essa retração impacta diretamente a disponibilidade de recursos para o crédito rural”, afirma a entidade.
A medida foi proposta pela equipe econômica como alternativa à revogação de um decreto que aumentava o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Para o governo, trata-se de um esforço de compensação fiscal. Para o agronegócio, representa mais um fator de incerteza e retração.
Seguro rural: recurso insuficiente
Outro ponto de impasse é a verba para o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), essencial para proteger os produtores contra perdas causadas por fenômenos climáticos extremos. O setor pleiteia R$ 4 bilhões em recursos para o programa, mas o orçamento atual conta com cerca de R$ 1 bilhão.
Recentemente, o governo bloqueou R$ 354,6 milhões e contingenciou mais R$ 90,5 milhões que já estavam previstos para o seguro rural. A decisão gerou descontentamento entre produtores e cooperativas, que enxergam a medida como uma fragilização da política pública no momento em que os riscos climáticos estão mais intensos.
O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, reconheceu a dificuldade de atender à demanda. Segundo ele, o espaço fiscal está extremamente reduzido e o orçamento federal enfrenta limitações severas para ampliação de subsídios.
Financiamento rural em dólar ganha força
Diante da elevada taxa básica de juros e das incertezas econômicas globais, uma das propostas defendidas pelo agronegócio ganhou força: a criação de uma linha de crédito rural indexada ao dólar. A ideia é oferecer um financiamento de menor custo a produtores com receitas em moeda estrangeira, como os exportadores de soja, milho, café e algodão.
A proposta é vista com bons olhos dentro do governo federal. Já há articulação entre ministérios e o Banco Central para viabilizar a nova modalidade, que prevê instrumentos de proteção, como contratos futuros, e regulamentação sobre o spread bancário.
A CNA defende que a nova linha seja direcionada a produtores com contratos vinculados ao dólar e com acesso a mecanismos de hedge cambial. A expectativa é que, com isso, o setor consiga escapar dos efeitos mais severos dos juros altos e manter a competitividade no mercado externo.
Entre metas fiscais e o campo
O lançamento do Plano Safra 2025/2026 ocorre em um momento desafiador para o governo. Ao mesmo tempo em que precisa estimular o setor agropecuário, responsável por um quarto do PIB brasileiro, o Executivo também está pressionado pelo compromisso com o equilíbrio fiscal e pela necessidade de ampliar a arrecadação.
Esse cenário complexo tem gerado atritos com representantes do setor, especialmente em estados onde a produção rural é a principal atividade econômica. A insatisfação já se manifesta em reuniões com parlamentares da base aliada e nas críticas públicas de entidades que historicamente mantinham diálogo com Brasília.
Apesar dos desafios, o governo sustenta que o volume recorde de recursos deve garantir fôlego à produção nacional e manter o Brasil como um dos líderes mundiais no agronegócio. Já o setor produtivo cobra previsibilidade, desoneração e políticas mais robustas de mitigação de riscos.
O embate entre os interesses fiscais da União e as necessidades do campo deve continuar nos próximos meses, com repercussões diretas na política, na economia e, sobretudo, na vida de milhares de produtores rurais em todo o país.
Por Alemax Melo | Revisão: Daniela Gentil
VEJA TAMBÉM: 58% dos brasileiros sentem vergonha dos ministros do STF, enquanto 30% demonstram orgulho, aponta Datafolha