O governo federal decidiu acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para contestar a derrubada, pelo Congresso Nacional, dos decretos que aumentavam as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A medida, anunciada pela Advocacia-Geral da União (AGU), tem como objetivo restaurar a validade das normas editadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e evitar perdas bilionárias na arrecadação do Estado.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, afirmou nesta terça-feira (1º) que a iniciativa do Executivo se baseia em fundamentos técnicos e jurídicos sólidos. Segundo ele, a revogação dos decretos pelo Congresso representa uma afronta ao princípio da separação dos poderes, um dos pilares da Constituição Federal.
“Essa decisão do presidente da República foi precedida de um amplo estudo técnico e jurídico solicitado a mim na semana passada”, disse Messias em coletiva. “A medida adotada pelo Congresso Nacional acabou por violar o princípio da separação de poderes. Por isso, apresentamos uma Ação Declaratória de Constitucionalidade para que o STF avalie a adequação do ato do chefe do Executivo.”
Segundo a AGU, a ação busca o reconhecimento da constitucionalidade dos decretos presidenciais e a retomada de sua vigência. Os textos assinados por Lula aumentavam as alíquotas do IOF incidentes sobre operações de crédito, câmbio, seguros e investimentos — especialmente em produtos voltados ao público de maior poder aquisitivo.
A justificativa do governo é clara: a perda de arrecadação com a revogação pode ultrapassar R$ 12 bilhões apenas em 2025, comprometendo a meta de zerar o déficit primário. Para 2026, a estimativa é ainda mais severa — cerca de R$ 40 bilhões, segundo cálculos do Ministério da Fazenda.
Risco fiscal e impacto nas contas públicas
A decisão do Congresso gerou um impasse entre os Poderes. Com a queda dos decretos, o Executivo poderá ser forçado a adotar novas medidas de ajuste fiscal, como bloqueios orçamentários ou a criação e elevação de outros tributos.
De acordo com Messias, a situação é grave e exige uma solução técnica. “Estamos diante de uma questão eminentemente jurídica. O conflito aqui é de entendimento, e o órgão responsável para resolvê-lo é o Supremo Tribunal Federal”, declarou.
O ministro também ressaltou que o governo mantém um canal de diálogo com o Legislativo, mas que, neste caso, a judicialização se tornou inevitável. “Não nos restou alternativa senão a proposição da ação. Comunicamos previamente aos presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre. O presidente Lula tem relação profícua com ambos e defende uma convivência institucional harmoniosa”, afirmou.
O que muda sem o aumento do IOF
Com a derrubada dos decretos, deixam de valer os seguintes aumentos:
- IOF em compras internacionais por cartão de crédito ou débito: de 3,38% para 3,5%;
- IOF na compra de moeda estrangeira em espécie e remessas ao exterior: de 1,1% para 3,5%;
- IOF diário para empresas: de 0,0041% para 0,0082%;
- IOF sobre o “risco sacado”: de 0,0041% para 0,0082%;
- IOF sobre seguros VGBL: de 0% para 5%;
- IOF sobre fundos de investimento em direitos creditórios: de 0% para 0,38%.
Segundo a equipe econômica, as medidas visavam atingir contribuintes com maior capacidade financeira e ajustar a política fiscal sem onerar diretamente as camadas mais vulneráveis da população.
Congresso e resistência à alta de impostos
O Legislativo, no entanto, demonstrou resistência à estratégia do governo. Parlamentares argumentam que o aumento de tributos em um momento de fragilidade econômica pode desestimular investimentos e comprometer o crescimento.
Para evitar um bloqueio orçamentário de até R$ 10 bilhões ainda em 2025, o governo precisará compensar a perda com aumento equivalente de arrecadação — tarefa difícil diante do atual clima político no Congresso, que tem rejeitado sistematicamente propostas que envolvem elevação da carga tributária.
PSOL também aciona o STF
Paralelamente à ação da AGU, o PSOL ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF, alegando que o Congresso extrapolou suas competências ao revogar decretos do Executivo. O partido defende que o tema é de competência exclusiva do presidente da República.
A ação foi distribuída ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, já confirmou a tramitação do processo.
Especialistas veem tensão entre os Poderes
A judicialização do caso reacendeu o debate sobre os limites da atuação de cada Poder na definição de políticas econômicas e tributárias. Para a tributarista Mary Elbe Queiroz, presidente do Cenapret, a situação evidencia o embate entre a função regulatória do Executivo e o poder de controle do Congresso.
“Embora o IOF tenha caráter extrafiscal, com objetivo de regular a economia, a reversão imediata pelo Congresso gera insegurança sobre a estabilidade desses mecanismos”, explicou. “O julgamento do STF será decisivo não apenas para este caso, mas para o futuro do uso de instrumentos de política econômica no Brasil.”
Caminho incerto
O desfecho da disputa ainda é incerto. O STF poderá manter a decisão do Congresso, o que obrigaria o Executivo a buscar novas formas de compensação fiscal, ou restaurar os efeitos dos decretos, garantindo ao governo fôlego temporário nas contas públicas.
Enquanto isso, o Ministério da Fazenda, liderado por Fernando Haddad, já estuda medidas adicionais. Entre elas, uma nova Medida Provisória que prevê aumento de tributos sobre apostas, fintechs, criptoativos e cortes de benefícios fiscais, com impacto estimado de R$ 15 bilhões em 2026.
“O que posso dizer é que, mesmo sem a aprovação das medidas anteriores, buscamos o melhor resultado fiscal em 2024”, afirmou Haddad, evitando responder se o governo pretende revisar a meta fiscal do próximo ano, que prevê superávit de 0,25% do PIB.
O impasse entre Executivo e Legislativo pode colocar em xeque não apenas a sustentabilidade das contas públicas, mas também a harmonia entre os Poderes da República — em um momento crítico para a economia nacional.
Por Alemax Melo | Revisão: Daniela Gentil
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