Na mais recente reviravolta do cenário político brasileiro, o líder do Partido Liberal (PL) na Câmara dos Deputados, Sóstenes Cavalcante (RJ), sugeriu nesta quarta-feira (2) uma alternativa polêmica para a deputada federal licenciada Carla Zambelli (PL-SP): que ela cumpra a pena de prisão à noite e continue exercendo o mandato durante o dia. A declaração foi feita durante reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde a defesa de Zambelli apresentou seus argumentos no processo que pode cassar seu mandato parlamentar.
A parlamentar foi condenada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) à pena de dez anos de prisão em regime fechado, com determinação imediata de cumprimento da sentença. A decisão judicial também estipula a perda automática do mandato, com base em jurisprudência consolidada da Corte. Após a condenação, Zambelli viajou para a Itália, o que motivou a inclusão de seu nome na lista vermelha da Interpol.
Apesar da decisão do STF, a Câmara optou por abrir um processo de cassação, argumentando que a perda do mandato ainda precisa ser analisada internamente. No entanto, os ministros da Suprema Corte reforçaram que, em casos como o de Zambelli com pena em regime inicial fechado e sem possibilidade de trabalho externo imediato, não cabe à Casa Legislativa deliberar sobre a cassação. Basta a declaração da Mesa Diretora.
Mesmo diante da gravidade da situação, o líder do PL sinalizou total apoio à deputada. “Nós já tivemos, no primeiro ou segundo mandato, dois parlamentares que tiveram casos semelhantes. Cumpriam suas penas à noite e trabalhavam aqui durante o dia. Se for necessário com a Carla, será igual”, disse Sóstenes Cavalcante, em tom de normalização da situação.
A fala causou surpresa e repercussão imediata, já que o caso de Zambelli envolve uma condenação criminal com trânsito em julgado, além de ordens internacionais de captura. “Nosso partido tem estado ao lado da nossa guerreira Zambelli nesse momento que ela atravessa”, continuou Sóstenes. Ele também anunciou que irá reunir a bancada do PL para fechar questão contra a cassação e buscar apoio junto a outros líderes partidários.
Zambelli foi a deputada federal mais votada em São Paulo nas eleições de 2022, com mais de 900 mil votos, e é considerada uma das principais representantes do bolsonarismo no Congresso Nacional. A condenação no STF envolve crimes relacionados à atuação armada durante as eleições, incluindo perseguição a um jornalista com arma em punho nas ruas de São Paulo.
Entenda o processo
A Constituição Federal prevê que um parlamentar pode perder o mandato em três situações: por decisão judicial transitada em julgado, por quebra de decoro parlamentar ou por faltas injustificadas a mais de um terço das sessões ordinárias da Casa Legislativa no ano. No caso de Zambelli, os ministros do STF afirmaram que, por ter sido condenada ao regime fechado, ela não poderá comparecer às sessões, o que, por si só, já levaria à perda do mandato.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do processo no STF, destacou em seu voto que “não é viável o trabalho externo diante da impossibilidade de cumprimento da fração mínima de 1/6 da pena para a obtenção do benefício durante o mandato”. Ou seja, mesmo que Zambelli deseje cumprir a pena parcialmente em liberdade para continuar exercendo o cargo, a legislação não permite essa possibilidade neste estágio do processo penal.
Apesar disso, a Câmara instaurou um processo político de cassação que está sendo analisado pela CCJ. A medida é vista por analistas como uma tentativa do PL de ganhar tempo e evitar o desgaste político imediato de ver uma de suas principais lideranças ser destituída do cargo de forma automática.
Casos semelhantes
O caso mais recente de perda de mandato por prisão foi o do ex-deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco. Preso em março de 2024, Brazão teve o mandato cassado em abril por faltas às sessões. Assim como no caso de Zambelli, a jurisprudência foi aplicada sem necessidade de votação em plenário, uma vez que a prisão em regime fechado impossibilita o exercício do cargo.
Consequências políticas
A sugestão de Sóstenes Cavalcante gerou controvérsia não apenas pelo ineditismo da proposta, mas também por evidenciar a estratégia do PL de blindar a deputada até o último recurso. O partido, que tem a maior bancada da Câmara com 99 deputados, pretende fazer pressão política para manter Zambelli no cargo, mesmo diante da determinação do Supremo.
Especialistas em direito constitucional alertam que a proposta é inviável juridicamente e contraria decisões já consolidadas pelo STF. Para eles, a permanência da parlamentar no cargo compromete a separação de Poderes e sinaliza um perigoso precedente institucional.
Zambelli, que segue fora do país, ainda não se pronunciou oficialmente sobre a proposta do colega de partido. Segundo interlocutores, ela avalia estratégias jurídicas para tentar reverter a ordem de prisão internacional e voltar ao Brasil sem ser presa.
O imbróglio entre Câmara e STF reacende o debate sobre os limites da imunidade parlamentar e o respeito às decisões judiciais. Enquanto isso, a sociedade assiste atônita à tentativa de transformar uma condenação penal em manobra política.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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