As mudanças climáticas extremas e o alto índice de emissão de carbono na atmosfera estão esgotando os recursos naturais do planeta pouco a pouco. A água, um desses recursos mais preciosos e essenciais para a sobrevivência da população, apresenta qualidade cada vez mais preocupante e a sua escassez já desponta no cenário mundial. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, um estudo da Fundação SOS Mata Atlântica revela que mais da 75% dos pontos monitorados pela organização, localizados na região coberta pelo mioma, já se encontram muito impactados pela poluição e precisam de tratamento para o consumo humano.
O relatório “O Retrato da Qualidade da Água nas Bacias Hidrográficas da Mata Atlântica”, produzido pelo programa Observando os Rios, da SOS Mata Atlântica, é um dos mais completos diagnósticos sobre a situação dos rios que cobrem a região. Neste ano, a análise foi realizada em 145 pontos de coleta em 67 municípios de 14 estados. Os resultados mostram que apenas 7,6% dos pontos (11) apresentaram qualidade boa, enquanto 13,8% (20) foram classificados como ruins e 3,4% (5) atingiram a pior nota, péssima. A predominância da qualidade regular, em 75,2% dos pontos (109), reforça o alerta sobre a vulnerabilidade dos recursos hídricos na Mata Atlântica.
Segundo a bióloga Aline Cruz, da Fundação SOS Mata Atlântica, o saneamento básico tem de ser intensificado porque a má qualidade da água é reflexo da deficiência de investimento. Além disso, o crescimento desordenado de grandes e médias cidades também representa uma ameaça porque, mesmo onde há saneamento, o serviço se torna insuficiente para atender a todos.
A comparação com os dados do relatório de 2024 revela um cenário ainda mais desafiador. Entre os 127 pontos monitorados nos dois anos consecutivos, houve aumento no número de rios com qualidade ruim e a permanência de quatro pontos com qualidade péssima, incluindo o rio Pinheiros, na cidade de São Paulo, e o Ribeirão dos Meninos, em São Caetano do Sul (SP). Nenhum ponto analisado atingiu a classificação de qualidade ótima.
Em relação ao Rio Pinheiros, que passou por processo de despoluição recente, Aline afirma que houve uma melhora em alguns parâmetros, contudo a falta de educação ambiental e as mudanças climáticas agravaram a situação. “A despoluição é algo lento e caro, que demanda investimento e esforço conjunto de políticas públicas e o envolvimento da sociedade”, observa.
A bióloga explica que quanto mais matéria orgânica é lançada nos rios, maior também a quantidade de bactérias consumindo oxigênio para decompor os resíduos. Com isso, a qualidade da água fica comprometida pela poluição e imprópria para reprodução de peixes, por exemplo. “É preciso reduzir a geração de lixo, parar de produzir plástico de uso único, ampliar os pontos de coleta seletiva, investir na educação ambiental, nas políticas de logística reversa e fazer com que as indústrias retirarem da natureza os resíduos que produz”, afirma.
O estudo reforça que o principal entrave para a recuperação da qualidade da água ainda é o saneamento básico insuficiente. Apesar das promessas de universalização do serviço até 2033, cerca de 35 milhões de brasileiros seguem sem acesso a água potável e metade da população do país não tem seu esgoto tratado. A poluição ainda é despejada sem controle em muitos cursos d’água, agravando um quadro que já é crítico.
Além da falta de saneamento adequado, a crise climática também desempenha papel determinante. O relatório destaca que eventos climáticos extremos, como secas severas e chuvas intensas, afetam diretamente os rios, aumentando a concentração de poluentes e reduzindo a disponibilidade de água limpa. “Poluir um rio é muito rápido, mas recuperá-lo é um processo lento e caro. Em um cenário de emergência climática, adiar soluções só vai tornar a crise hídrica ainda mais grave”, alerta Gustavo Veronesi, coordenador da causa Água Limpa da SOS Mata Atlântica.

Cristina Christiano é jornalista com extensa carreira profissional, tendo atuado em diversos veículos impressos e audiovisuais nas áreas de polícia, justiça, saúde, educação, comportamento, urbanismo, direitos humanos, economia, entre outras. Fez diversas reportagens especiais, além de séries de repercussão e recebeu já vários prêmios por seu trabalho.