Nesta sexta-feira (27), as cortinas simbólicas do Bumbódromo de Parintins se abrem para a 58ª edição de um dos maiores espetáculos a céu aberto da América Latina: o Festival Folclórico de Parintins. Localizado no interior do Amazonas, o município insular se transforma em um verdadeiro palco de cultura, arte, fé e paixão, com três noites de intensos duelos entre os bois Caprichoso (azul) e Garantido (vermelho).
Mais do que uma festa, o festival é uma tradição que nasceu em 1965, inicialmente como uma campanha beneficente para a construção da catedral da cidade. Com o passar dos anos, a iniciativa ganhou força e virou um fenômeno cultural. Hoje, atrai turistas do mundo todo e emociona milhares de amazonenses, que vivem intensamente a rivalidade entre as duas agremiações folclóricas. Estima-se que cerca de 120 mil pessoas acompanharão os festejos deste ano, tanto no Bumbódromo quanto nas ruas coloridas da ilha.
A cidade que respira boi-bumbá
Durante o mês de junho, Parintins, situada a 370 km de Manaus, acessível apenas por barco ou avião, mergulha em um estado de encantamento coletivo. A cidade se divide entre o azul do Caprichoso e o vermelho do Garantido. Famílias inteiras, casas, comércios, calçadas, placas e até faixas de pedestres adotam as cores dos bois. A rivalidade é acirrada, mas respeitosa, e reflete a força do folclore no cotidiano dos parintinenses.
Este ano, o Boi Caprichoso entra na arena com o tema “É tempo de retomada”, exaltando a resistência dos povos originários da floresta, o legado dos negros e nordestinos na Amazônia e a ancestralidade como base de sabedoria. Vencedor das três últimas edições, o boi azul busca seu primeiro tetracampeonato consecutivo.
Já o Garantido apresenta o enredo “Boi do povo, boi do povão”, celebrando a origem popular da festa e tentando conquistar seu 33º título. As três noites abordarão os subtemas “Somos os povos da floresta”, “Terra Brasileira” e “Boi do Brasil”, exaltando o sincretismo cultural e a força das raízes amazônicas.

Programação definida por sorteio
As apresentações seguirão a ordem definida em sorteio realizado na semana anterior. O Garantido abre a primeira noite e encerra as duas seguintes:
Sexta-feira (27): Garantido abre, Caprichoso encerra
Sábado (28): Caprichoso abre, Garantido encerra
Domingo (29): Caprichoso abre, Garantido encerra
A arena é o emblemático Bumbódromo, construído com formato de cabeça de boi e capacidade para 35 mil pessoas, onde as duas agremiações revezam a arena, sem que haja disputa direta simultânea, o que torna cada apresentação uma obra autônoma e comparável apenas pelos jurados.
Julgamento técnico com 21 itens
A competição é levada a sério. Cada boi tem cerca de 2 horas e 30 minutos para encantar público e jurados com um espetáculo que envolve centenas de brincantes, dezenas de alegorias monumentais, coreografias impecáveis, lendas indígenas e muita música.
Os bois são avaliados por 21 quesitos, divididos em três blocos:
Bloco A – Itens comuns e musicais: Apresentador, Levantador de Toada, Batucada/Marujada, Amo do Boi, Sinhazinha da Fazenda, Porta-Estandarte, Rainha do Folclore
Bloco B – Cenografia e coreografia: Cunhã-Poranga, Toada (letra e música), Evolução do Boi, Galera, Coreografia, Organização do Conjunto
Bloco C – Artístico e etnográfico: Ritual Indígena, Pajé, Povos Indígenas, Tuxaua, Figura Típica Regional, Alegorias, Lenda Amazônica, Vaqueirada
Cada item recebe notas de 0 a 10 de três jurados. A menor nota é descartada, e o boi com maior pontuação acumulada nas três noites é declarado vencedor. Especialistas em folclore, arte e cultura popular compõem o corpo de jurados, garantindo o rigor técnico da competição.
Quem representa cada item?
Entre os destaques individuais estão figuras carismáticas e aclamadas pelo público. No Caprichoso, Edmundo Oran comanda a apresentação, enquanto Patrick Araújo levanta as toadas. Já no Garantido, Israel Paulain e David Assayag são as vozes principais.
As guerreiras da arena também brilham: Marciele Albuquerque (Caprichoso) e Isabelle Nogueira (Garantido) são as Cunhãs-Poranga. Entre os pajés, Erick Beltrão (Caprichoso) e Adriano Paketá (Garantido) comandam os rituais xamânicos com emoção e técnica.
Regras rígidas e torcida que faz história
Cada boi deve respeitar o tempo regulamentar. Exceder ou ficar abaixo das duas horas mínimas resulta em punição por perda de pontos. Também é vedada qualquer manifestação da torcida adversária durante a apresentação. Caso contrário, há descontos automáticos.
Falando em torcida, a “galera” é um espetáculo à parte. Com mais de dez mil torcedores uniformizados, munidos de adereços e ensaiados previamente, elas formam verdadeiras coreografias humanas nas arquibancadas. A atuação da galera também é item de julgamento.
A magia de Parintins no imaginário nacional
O Festival de Parintins vai além do entretenimento. Ele é uma celebração da Amazônia, uma aula viva de diversidade cultural, uma reverência à ancestralidade e um grito de resistência em forma de arte. A cada ano, novos elementos se somam ao espetáculo, mas o espírito permanece: dar voz ao povo da floresta, em toda sua beleza e complexidade.
Na segunda-feira (30), após as três noites mágicas, a apuração revelará o boi campeão de 2025. Enquanto isso, Caprichoso e Garantido já escreveram mais um capítulo da rica história de um festival que transforma uma pequena ilha amazônica no centro da cultura brasileira.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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