O desaparecimento da estudante transexual Carmen de Oliveira Alves, de 25 anos, ocorrido em 12 de junho, Dia dos Namorados, em Ilha Solteira (SP), teve um desfecho trágico revelado pela Polícia Civil: a jovem foi assassinada pelo próprio namorado, Marcos Yuri Amorim, que não aceitava tornar pública a relação. O caso ganhou contornos ainda mais complexos com o envolvimento do policial militar ambiental da reserva, Roberto Carlos de Oliveira, apontado como amante de Yuri e cúmplice no crime.
Segundo o delegado Miguel Rocha, responsável pela investigação, Carmen pressionava o namorado a assumir o relacionamento. Além disso, havia descoberto atividades criminosas por parte dele, como furtos. Essas descobertas teriam contribuído para a decisão de silenciá-la de forma violenta.
No Dia dos Namorados, ele acabou matando ela. A investigação mostrou que Carmen mantinha um dossiê com informações comprometedoras contra Yuri, e essa pasta foi apagada no mesmo dia do desaparecimento, afirmou o delegado em entrevista à TV TEM.
Apesar das evidências, o corpo da vítima ainda não foi localizado, o que mantém em aberto o sentimento de angústia e revolta entre amigos, familiares e a população da cidade.
Prisões e motivação
Na noite da quinta-feira, 10 de julho, quase um mês após o desaparecimento de Carmen, a polícia prendeu Marcos Yuri Amorim e Roberto Carlos de Oliveira por meio de mandados de prisão temporária, com validade de 30 dias. Ambos foram localizados em Ilha Solteira.
O envolvimento de Roberto Carlos com Yuri foi revelado ao longo da apuração. Inicialmente tratado como testemunha, o policial da reserva passou a ser investigado após surgirem provas de que mantinha um relacionamento afetivo e financeiro com o namorado de Carmen.
“Havia ali um triângulo amoroso. O Roberto sustentava e bancava os gastos do Yuri. Ele não só sabia do crime, como participou dele “, acrescentou o delegado Rocha.
Trajetória até o crime
No dia do desaparecimento, Carmen saiu da universidade onde cursava Zootecnia, na Unesp de Ilha Solteira, e seguiu para a casa do namorado em um assentamento da região. Imagens de câmeras de segurança confirmam sua entrada na residência, mas não há registros de sua saída.
A polícia obteve a quebra do sigilo telefônico de todos os envolvidos, o que permitiu traçar os últimos passos da jovem. O celular de Carmen permaneceu ativo por algum tempo dentro do perímetro urbano da cidade, o que descartou a possibilidade de fuga ou deslocamento para outro município.
As investigações indicam que Carmen foi assassinada na residência de Yuri e que, posteriormente, os autores ocultaram o corpo em local ainda não identificado.
Buscas e mobilização
Desde o primeiro momento, familiares e amigos da vítima mobilizaram esforços em busca de respostas. Manifestações públicas foram organizadas, cartazes espalhados pela cidade e redes sociais utilizadas como ferramenta de denúncia e apelo por justiça.
A mãe de Carmen relatou à polícia que, na véspera do desaparecimento, a filha havia saído de casa por volta das 23h em uma bicicleta elétrica preta. O veículo também nunca foi localizado.
Em um dos pontos vasculhados pela polícia, uma área de mata próxima à universidade, foram encontradas marcas de pneus compatíveis com os da bicicleta usada por Carmen. As buscas também se estenderam às margens do rio que corta a cidade, último ponto onde o sinal do celular da jovem foi captado.
Perfil de Carmen
Descrita por amigos como uma jovem alegre, determinada e engajada em causas sociais, Carmen era conhecida por sua dedicação aos estudos e pelo esforço em afirmar sua identidade de gênero em uma sociedade ainda marcada pelo preconceito.
Negra, trans e moradora do interior paulista, Carmen enfrentava diariamente desafios típicos da população LGBTQIAPN+ brasileira, especialmente em regiões mais conservadoras. A tentativa de viver um relacionamento amoroso honesto e reconhecido culminou em sua morte brutal, agravada por motivações machistas, transfóbicas e de caráter pessoal.
Ela nunca tinha desaparecido antes. Era uma menina de casa, estudiosa, querida. Tudo o que queremos agora é encontrar o corpo e fazer um enterro digno disse um familiar, que preferiu não se identificar.
Desdobramentos
A dupla presa foi interrogada, mas nega envolvimento no crime. Apesar disso, o delegado afirma que há provas suficientes que os colocam na cena do assassinato. A ausência do corpo, no entanto, ainda impede a conclusão do inquérito e o oferecimento de denúncia formal por homicídio qualificado e ocultação de cadáver.
A investigação, agora tratada oficialmente como feminicídio que é o assassinato motivado pela condição de gênero da vítima, segue em curso. A polícia concentra esforços para localizar o corpo da estudante e reunir novas evidências que sustentem a versão apresentada pelas autoridades.
“O caso é extremamente grave. Envolve violência contra mulher, transfobia e um contexto de manipulação afetiva. Nosso objetivo é concluir o inquérito com justiça e garantir que esses crimes não fiquem impunes “, finalizou Miguel Rocha.
Enquanto a cidade de Ilha Solteira segue abalada, movimentos sociais, grupos LGBTQIAPN+ e organizações de direitos humanos cobram justiça, visibilidade e políticas públicas de proteção às pessoas trans.
Quem tiver qualquer informação sobre o paradeiro do corpo de Carmen pode entrar em contato com a polícia pelos telefones 190 ou 181. O anonimato é garantido.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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