A base de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) iniciou nesta terça-feira (5) um movimento coordenado de obstrução parlamentar no Congresso Nacional. O anúncio foi feito pelo líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), e já começa a ser implementado tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, como forma de protesto contra a prisão domiciliar imposta ao ex-presidente pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
“A partir de hoje, estamos em obstrução”, afirmou Marinho em coletiva de imprensa, sinalizando a suspensão de qualquer apoio da oposição a votações no plenário enquanto não houver, segundo ele, um “diálogo sério” para pacificar o cenário político.
A obstrução legislativa consiste em travar as votações, seja por meio de pedidos de verificação de quórum, retirada de pauta, obstruções regimentais ou ausência deliberada em sessões, tornando impossível o avanço de matérias mesmo com maioria simples.
Pressão por anistia e mudanças institucionais
O movimento da oposição é, em parte, uma resposta direta à prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, determinada por Moraes na segunda-feira (4). Mas também reflete reivindicações acumuladas por parlamentares bolsonaristas, que agora ganharam força política diante do novo episódio envolvendo o STF.
Entre as principais pautas exigidas pela ala oposicionista estão:
- A aprovação de uma anistia ampla e irrestrita aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023, classificados como golpistas por autoridades judiciais;
- O impeachment do ministro Alexandre de Moraes, que hoje concentra investigações e decisões judiciais contra diversos aliados de Bolsonaro;
- O avanço da PEC que põe fim ao foro privilegiado, travada há anos no Senado.
“Já passou da hora de o Brasil virar essa página. Precisamos de uma anistia ampla, geral e irrestrita”, declarou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Câmara também adere à obstrução
Na Câmara dos Deputados, o discurso foi reforçado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), um dos líderes da bancada evangélica e figura próxima ao bolsonarismo. Segundo ele, a oposição não aceitará o funcionamento da Casa “enquanto não houver diálogo institucional sério”.
“Vamos entrar em obstrução total e não vamos recuar enquanto não houver caminhos reais para a pacificação”, afirmou.
A medida foi vista como uma tentativa de usar o regimento da própria democracia para forçar um reposicionamento do governo e do Judiciário, bloqueando pautas prioritárias do Executivo e atrasando votações em andamento.
Críticas ao uso de tornozeleira em senador aliado
Além da prisão de Bolsonaro, outro ponto que motivou a obstrução foi a decisão do STF de impor o uso de tornozeleira eletrônica ao senador Marcos do Val (Podemos-ES), investigado por suposta participação em uma tentativa de obstruir as investigações dos atos antidemocráticos.
O senador Rogério Marinho classificou a decisão como “inaceitável” e demonstrou solidariedade ao colega.
“Fomos surpreendidos pela tornozeleira imposta ao senador Marcos do Val. Sou solidário a ele. Estamos vendo um padrão de decisões que nos preocupa”, disse Marinho.
A prisão de Bolsonaro
O ex-presidente Jair Bolsonaro foi colocado em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica após decisão de Alexandre de Moraes, relator do inquérito das milícias digitais no Supremo Tribunal Federal. A medida foi tomada depois que Bolsonaro apareceu em um vídeo publicado nas redes sociais de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, durante manifestação no último domingo (3), em Copacabana.
Segundo o ministro, o vídeo, no qual Bolsonaro agradece a presença dos apoiadores, representa uma violação direta da decisão judicial de 18 de julho, que proíbe o ex-presidente de se manifestar nas redes sociais, inclusive por meio de terceiros.
Na decisão, Moraes classificou a ação como uma continuação das práticas ilícitas que já vinham sendo investigadas no STF, incluindo a manipulação de redes, incitação a protestos ilegais e ataques à ordem democrática.
“Constata-se o uso contínuo de conteúdo pré-produzido para incitar apoiadores, pressionar instituições e estimular a intervenção externa em assuntos internos do Brasil, afrontando diretamente a soberania nacional”, escreveu o ministro.
Defesa de Bolsonaro diz que vai recorrer
A defesa do ex-presidente afirmou, em nota oficial, que foi “surpreendida” pela decisão de Moraes e que irá recorrer. Segundo os advogados, Bolsonaro não teve envolvimento direto com a publicação, e o vídeo não teria conteúdo político ou convocatório, tratando-se apenas de um agradecimento.
“Não houve qualquer violação intencional das medidas cautelares. O vídeo em questão foi postado de forma autônoma por um terceiro e não incita nenhuma conduta criminosa”, afirmou Fábio Wajngarten, advogado e ex-secretário de comunicação do governo Bolsonaro.
Efeitos imediatos no Congresso
A obstrução da oposição tem potencial para impactar projetos considerados prioritários pelo governo Lula, incluindo a reforma tributária (em fase de regulamentação), o novo arcabouço fiscal e medidas econômicas previstas para o segundo semestre legislativo.
Líderes do governo classificaram a medida como “antirrepublicana” e criticaram o uso de artifícios regimentais como retaliação política. O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), disse que o governo está aberto ao diálogo, mas não aceitará “chantagens em nome da democracia”.
Riscos de paralisia institucional
A paralisação parcial do Congresso acontece num momento delicado para a política brasileira, com tensões entre os Três Poderes e um clima de radicalização crescente nas bases mais ideológicas da direita.
Analistas políticos alertam que o uso da obstrução como forma de protesto, embora legal, pode travar avanços legislativos importantes e desgastar ainda mais a relação entre o Legislativo e o Judiciário.
“A obstrução é um instrumento legítimo, mas usá-la como retaliação pessoal a decisões judiciais complexifica o ambiente político e institucional”, avaliou a cientista política Beatriz Albuquerque, da FGV.
Próximos passos
Líderes da oposição já articulam uma agenda de pressão política, com a coleta de assinaturas para instaurar uma CPI sobre abusos do Judiciário, embora o movimento enfrente resistência dentro da própria base aliada.
A expectativa é que o impasse continue ao longo da semana, com possibilidade de sessões esvaziadas e queda no quórum de votações.
Enquanto isso, o ex-presidente Jair Bolsonaro segue em recolhimento domiciliar, monitorado por tornozeleira eletrônica, enquanto responde a múltiplos inquéritos no Supremo, incluindo os que investigam a tentativa de golpe de Estado, a atuação de milícias digitais e supostas irregularidades no caso das joias sauditas.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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