A Câmara dos Deputados da Itália aprovou nesta quarta-feira (15) um projeto de lei que retira dos consulados a responsabilidade pela tramitação dos processos de reconhecimento de cidadania por direito de sangue (jus sanguinis) apresentados fora do país. A função passará a ser exercida diretamente pela sede do Ministério das Relações Exteriores, em Roma.
A medida, proposta pelo governo da premiê Giorgia Meloni, tem como objetivo desafogar os escritórios consulares e reduzir as longas filas acumuladas em países como Brasil e Argentina, que concentram milhões de ítalo-descendentes.
“É um resultado concreto que demonstra como este governo trabalha pelo interesse dos italianos no mundo, com seriedade, responsabilidade e ações”, afirmou o relator do projeto, Andrea Orsini, do partido Força Itália (FI).
Processos serão analisados apenas em Roma
Com a nova regra, os pedidos de reconhecimento de cidadania italiana por jus sanguinis passarão a ser avaliados exclusivamente em Roma, por um escritório vinculado à Farnesina (Ministério das Relações Exteriores).
Segundo o deputado Simone Billi, do partido Liga, “os procedimentos de cidadania serão gerenciados centralmente em Roma, pois são particularmente complexos e exigentes”.
Inicialmente, o texto ampliava o prazo de tramitação de 24 para 48 meses, mas uma emenda reduziu o limite para 36 meses. Caso o Senado confirme a proposta, o novo sistema deve começar a funcionar em 2028.
Críticas da oposição
A proposta recebeu duras críticas de parlamentares que representam italianos residentes no exterior. Para o deputado Fabio Porta, do Partido Democrático (PD), eleito pela América do Sul, a centralização ameaça os direitos de milhões de descendentes.
“Essa lei corre o risco de ser uma verdadeira lápide para os direitos dos italianos no exterior”, declarou Porta durante o debate.
A oposição acusa o governo Meloni de promover uma série de medidas que restringem o princípio do jus sanguinis — base histórica da cidadania italiana. Em maio, uma lei complementar já havia limitado o direito automático apenas a filhos e netos de italianos natos e de cidadania exclusivamente italiana, excluindo gerações mais distantes.
Riscos da centralização e desafios para os consulados
Especialistas alertam que a retirada dos consulados da tramitação dos processos pode agravar desigualdades e dificultar o acesso à cidadania para quem vive fora da Europa.
Entre os principais riscos apontados estão:
- Aumento da distância e da burocracia: os consulados, que hoje servem como ponte direta entre cidadãos e o governo italiano, perderão a função de acompanhar processos, o que pode dificultar o atendimento, sobretudo em países de dimensões continentais como o Brasil.
- Sobrecarga em Roma: estima-se que apenas Brasil e Argentina somem mais de 60 milhões de descendentes de italianos. Sem estrutura reforçada, o novo sistema pode gerar filas ainda maiores.
- Perda de assistência local: sem atuar diretamente nos pedidos, os consulados terão menor capacidade de intervir em erros documentais ou prestar suporte jurídico básico.
- Desigualdade entre residentes na Itália e no exterior: quem vive na Itália continuará podendo recorrer a prefeituras e tribunais locais, enquanto descendentes fora do país dependerão exclusivamente de respostas vindas de Roma.
Impacto direto sobre os brasileiros
Para os brasileiros descendentes de italianos, a mudança representa um duplo desafio.
Além das novas restrições impostas pelo governo Meloni ao jus sanguinis, a centralização tende a tornar o processo mais lento, caro e distante.
Advogados que atuam na área afirmam que, com o novo modelo, será mais difícil contestar decisões e obter informações oficiais. Muitos casos poderão exigir representação legal na Itália, o que encarece e burocratiza ainda mais o trâmite.
“É uma mudança que afeta diretamente a comunidade ítalo-brasileira, que há décadas mantém vínculos com a Itália e busca apenas o reconhecimento de um direito legítimo”, afirmou o especialista Francesco Lombardini ao MD News.
Outro ponto de preocupação é o risco de enfraquecimento dos laços culturais. A cidadania italiana, além de um documento, representa um elo simbólico entre o país e seus descendentes. Ao retirar o papel ativo dos consulados, o governo pode reduzir esse contato histórico, especialmente em comunidades formadas há gerações.
O que vem pela frente?
O projeto segue agora para o Senado italiano, onde deve ser votado até o fim do ano. Caso seja aprovado sem alterações, o sistema centralizado de reconhecimento da cidadania começará a operar de forma experimental em 2027, com implantação total prevista para 2028.
Enquanto isso, permanecem em vigor as regras de transição definidas em março e maio de 2025 — pedidos protocolados antes da nova lei continuarão sendo analisados sob a legislação anterior.
A expectativa é de que o tema volte ao centro do debate político nas próximas semanas, com forte mobilização das comunidades italianas no exterior e de associações de descendentes.
Por David Gonçalves — Correspondente do MD News na Itália | Revisão: Daniela Gentil
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