Pesquisas recentes reforçam a hipótese de que a inflamação, tradicionalmente associada a doenças físicas, também desempenha um papel importante nos transtornos mentais, em especial na depressão. Estudos científicos identificaram mecanismos biológicos que conectam respostas inflamatórias do corpo, tanto sistêmicas quanto no sistema nervoso central, a sintomas depressivos como fadiga, perturbações do sono, apetite alterado e falta de interesse.
Uma meta-análise publicada em 2020 revelou que pacientes com depressão apresentam níveis elevados de marcadores inflamatórios, como interleucina-6 (IL-6) e proteína C-reativa (PCR), em comparação com indivíduos sem a doença. Além disso, um estudo de 2023 indicou que o aumento dos níveis de IL-6 em diferentes faixas etárias está associado ao risco aumentado de depressão, sugerindo uma correlação bidirecional entre inflamação e transtornos depressivos.
Evidências
Outro trabalho realizado com dados dos biobancos do Reino Unido (UK Biobank) e de estudos na Holanda observou que, além dos sintomas físicos ou neurovegetativos, há correlações consistentes entre inflamação e sintomas centrais da depressão, como humor deprimido e redução de prazer (anedonia).
Há ainda evidências de que condições inflamatórias pré‑existentes como obesidade, doenças autoimunes, distúrbios metabólicos, podem tanto aumentar o risco de depressão quanto agravar seu curso. O tecido adiposo, por exemplo, é uma fonte abundante de citocinas inflamatórias; o aumento de adiposidade parece criar um ciclo em que inflamação estimula sintomas depressivos, que por sua vez podem levar ao estilo de vida sedentário ou ganho de peso, intensificando a inflamação.
Estudo brasileiro: CISM e FAPESP
Uma pesquisa conduzida pelo Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM), apoiada pela FAPESP, acompanhou 108 pessoas durante dois anos após a alta hospitalar da COVID-19. Os resultados, publicados na revista Brain, Behavior, and Immunity, revelaram que marcadores inflamatórios como a eotaxina e o fator de crescimento vascular endotelial (VEGF) estão diretamente associados a sintomas de depressão, ansiedade e comprometimento cognitivo.
O estudo foi liderado por Felipe Couto, estudante da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), sob a orientação dos psiquiatras Euripedes Constantino Miguel e Rodolfo Furlan Damiano, do CISM.
Sintomas associados à inflamação
Os estudos demonstram que nem todos os sintomas de depressão parecem igualmente ligados à inflamação. Os que apresentam maior associação são:
- Fadiga ou perda de energia;
- Alterações do sono (insônia ou sono de má qualidade);
- Variações no apetite;
- Sensação de que as tarefas demandam muito esforço;
- Diminuição de interesse ou prazer em atividades (anedonia).
Sintomas mais estritamente emocionais ou subjetivos, como autocensura, sentimentos de culpa ou ideação suicida, parecem ter menos ligação direta com marcadores inflamatórios, embora não estejam totalmente descartados.
Implicações clínicas e terapêuticas
A inflamação desempenha um papel relevante na depressão, abrindo novas possibilidades de diagnóstico e tratamento. A estratificação de pacientes segundo seu perfil inflamatório pode guiar terapias personalizadas, incluindo o uso de anti-inflamatórios como adjuvantes. Intervenções não farmacológicas, como alimentação saudável, exercício, sono adequado e controle do estresse, podem reduzir a inflamação e melhorar sintomas depressivos. Pesquisas também investigam novos fármacos anti-inflamatórios ou moduladores imunológicos, especialmente em casos resistentes aos antidepressivos tradicionais.
A relação entre inflamação e depressão é bidirecional e complexa, variando entre indivíduos. Nem todos com depressão apresentam inflamação elevada, e nem todos com inflamação desenvolvem depressão. A eficácia de tratamentos centrados na inflamação ainda precisa ser confirmada em grandes ensaios clínicos de longo prazo, considerando segurança e variabilidade individual.
O crescente conjunto de evidências sustenta que a inflamação, tanto sistêmica quanto cerebral, contribui para manifestações específicas da depressão, sobretudo aquelas físicas e cognitivas. Ainda que não seja o único fator, depressão é uma doença multifatorial, reconhecê-la pode abrir portas para tratamentos mais eficazes, individualizados e integrados. Investir em pesquisa para definir perfis de pacientes e terapias direcionadas é essencial para dar passos concretos nesse cenário.
Por Lais Pereira da Silva | Revisão: Pietra Gomes
LEIA TAMBÉM: Colombiana é a primeira no mundo a fazer cirurgia inédita para depressão crônica