A Justiça de São Paulo condenou o estado a pagar R$ 350 mil por danos morais coletivos à população negra após considerar que houve conduta discriminatória da Polícia Militar durante a “Caminhada São Paulo Negra”, passeio turístico realizado em outubro de 2020.
Na ocasião, dois guias e 12 turistas da agência Guia Negro, então chamada BlackBird Viagens foram seguidos por três horas, filmados e abordados diversas vezes por policiais militares no Centro da capital paulista. O grupo visitava locais simbólicos da cultura negra, como parte de um roteiro entre a Praça da Liberdade e o Largo do Paissandu.
Segundo a Defensoria Pública, que moveu a ação, houve excesso e falta de justificativa nas ações da PM, que envolveu viaturas, motos e cavalaria mesmo após os organizadores apresentarem documentos oficiais e CNPJ, comprovando o caráter turístico e cultural da atividade. A Justiça reconheceu que a ação policial foi discriminatória, desproporcional e ultrapassou os limites do poder de polícia.
“A atuação da Polícia Militar extrapolou os limites do exercício regular do poder de polícia, configurando uma ação discriminatória e desproporcional”, afirmou o desembargador Paulo Galizia, relator do processo.
O valor determinado será destinado a um fundo voltado a projetos culturais e turísticos voltados à valorização da população negra. O estado ainda pode recorrer.
O jornalista e fundador da agência Guia Negro, Guilherme Soares Dias, celebrou a decisão: “Diziam que não valia a pena processar o estado, que era só racismo. Mas esse é exatamente o crime que não queremos que se repita”, afirmou.
Guilherme também destacou a importância de o valor ser usado em ações de afroturismo com participação da polícia, como forma de educação e reparação histórica.
“A polícia precisa andar do nosso lado e defender a população negra. Não somos inimigos.”
Relembre o caso
Em 18 de outubro de 2020, após a retomada das atividades da agência suspensas durante a pandemia, o grupo iniciou o passeio na Praça da Liberdade. Logo no início, foi abordado por policiais militares que questionaram se se tratava de um protesto.
Mesmo após explicações, o grupo foi acompanhado por agentes de moto e, mais adiante, pela cavalaria, até a última parada do tour, por volta das 13h. Em uma das abordagens, os policiais teriam exigido que os participantes assinassem um documento, o que foi recusado.
“Subimos a escada rolante do Vale do Anhangabaú para despistar, e demos de cara com a cavalaria. No Paissandu, nova equipe nos abordou, voltou a questionar e quis que assinássemos algo”, relatou Guilherme.
A Polícia Militar, questionada na época, disse que acompanhou o grupo devido à “grande concentração de público”, medida que, segundo a corporação, é comum para garantir a segurança.
No entanto, os organizadores apontaram que eventos maiores, como uma exposição na Pinacoteca e uma caminhada política próxima, não receberam o mesmo tratamento.
A então BlackBird Viagens registrou boletim de ocorrência e classificou o caso como “não criminal”. O episódio também foi levado à OAB e ao Ministério Público para investigação de violações de direitos.
Por Kátia Gomes | Revisão: Daniela Gentil
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