Na quinta-feira, 10 de julho, o presidente da Argentina, Javier Milei, enfrentou o mais duro golpe político desde que assumiu o cargo. O Senado argentino aprovou quatro projetos de lei que, segundo a presidência, colocam em risco o equilíbrio fiscal do país, um dos pilares do programa econômico libertário que Milei defende desde sua posse, em dezembro de 2023.
As leis aprovadas incluem o reajuste de 7% das aposentadorias, a ampliação de benefícios para pessoas com deficiência, a liberação de fundos federais para uso nas províncias e mudanças na distribuição dos impostos sobre combustíveis. Para o presidente, essas medidas comprometem diretamente seu plano de austeridade fiscal. Milei não hesitou: anunciou que vetará os quatro projetos, reiterando seu compromisso com o superávit fiscal.
“Vamos vetar”, afirmou Milei em discurso na Bolsa de Valores de Buenos Aires. “E se, por acaso, o veto for derrubado, o que não acredito, iremos à Justiça.” O presidente foi ainda mais longe: disse que, mesmo com uma decisão judicial célere, os efeitos negativos das leis seriam “mínimos” e revertidos assim que o novo Congresso tomasse posse, em dezembro de 2025.
Segundo Milei, a implementação dos projetos representaria um aumento de 2,5% nos gastos públicos, um percentual considerado inaceitável por seu governo. Alguns de seus aliados políticos chegaram a qualificar a decisão do Senado como um “golpe institucional”.
Este momento de tensão institucional se dá em meio a um cenário político sensível. Em outubro, a Argentina realizará eleições legislativas de meio de mandato, que definirão a correlação de forças no Congresso durante a segunda metade do governo Milei, cujo mandato vai até 2027.

Todos os setores políticos do país entenderam o peso da decisão, tanto os aliados de Milei, do partido A Liberdade Avança, quanto os opositores ligados ao peronismo e ao kirchnerismo, que lideraram a articulação pelas quatro medidas aprovadas.
Hoje, o governo tem minoria nas duas casas legislativas e precisa negociar com outros blocos, como o PRO (Proposta Republicana), fundado pelo ex-presidente Mauricio Macri, para avançar sua agenda. A derrota desta semana expôs a fragilidade dessa articulação.
Derrota histórica
Além da aprovação das quatro leis no Senado, a Câmara dos Deputados também rejeitou o veto presidencial a um projeto de auxílio financeiro à cidade de Bahía Blanca, que sofreu com inundações em março deste ano. As chuvas torrenciais causaram a morte de ao menos 18 pessoas e deixaram mais de 1.400 desabrigados. O governo federal, no entanto, havia bloqueado o pacote de ajuda à cidade, gerando críticas e pressões de diversos setores políticos.
Esse episódio é apenas mais um entre vários atritos recentes entre Milei e os governadores provinciais. O presidente tem bloqueado repasses de verbas federais às províncias, o que tem ampliado a insatisfação e desgastado ainda mais sua base política.

A Argentina vive há dois anos um rígido controle fiscal, que embora tenha produzido indicadores positivos no macroeconômico, como a redução da inflação, tem provocado impactos profundos no tecido social do país. O desemprego subiu, empresas fecharam e os serviços públicos enfrentam dificuldades.
O distanciamento entre Milei e os governadores foi evidente no último 9 de julho, Dia da Independência da Argentina. Um evento oficial em San Miguel de Tucumán estava previsto com a presença do presidente e das lideranças regionais, mas Milei cancelou a viagem poucas horas antes, alegando “condições climáticas adversas”. Porém, apenas três dos 23 governadores haviam confirmado presença, o que foi interpretado por analistas como o verdadeiro motivo da ausência.
“Querem destruir o governo nacional”, disse Milei em entrevista à Rádio El Observador. A fala expõe o crescente embate entre o Executivo e os poderes regionais.
Tanques e aviões
O clima político ficou ainda mais tenso após declarações de aliados do presidente nas redes sociais. Daniel Parisini, conhecido como “o gordo Dan”, e Franco Antunes (ou Fran Fijap), ambos próximos a Milei, sugeriram ações militares contra o Congresso.
Parisini escreveu no X (antigo Twitter): “Tanques na rua, já. Strikers pela Avenida 9 de Julho agora, Javeto. Chegou a hora.” Em outro post, completou: “Javo, coloque um F-16 para sobrevoar o Congresso.” Os apelidos “Javo” e “Javeto” referem-se ao primeiro nome do presidente, Javier.
Já Antunes sugeriu: “É preciso dinamitar todo o Congresso, com os deputados e senadores dentro.”
As declarações geraram forte reação. A senadora opositora Juliana Di Tullio afirmou em plenário: “Não estou só fazendo uma denúncia pública destas ameaças, vou fazer uma denúncia penal. Isso é inaceitável.”

Nos últimos meses, aposentados argentinos organizaram diversas manifestações em frente ao Congresso para protestar contra os cortes nos benefícios.
Desgaste e reações
Para especialistas como o jornalista Ignacio Fidanza, do portal La Política, a derrota no Congresso reflete o desgaste das políticas de austeridade de Milei.
“Os sucessos macroeconômicos estão em discussão. A economia real está detonada, com falências de empresas agropecuárias, industriais e comerciais”, escreveu ele.
A articulação dos governadores, que representam partidos distintos e regiões diversas, foi fundamental para a aprovação das novas leis, um indicativo do isolamento político de Milei no Congresso e nas províncias.
O colunista Claudio Jacquelin, do jornal La Nación, chamou a atenção para a ampla margem da votação no Senado. As medidas foram aprovadas por dois terços dos senadores, um número que não só garante a aprovação, como também torna possível derrubar vetos presidenciais.
“O processo eleitoral em andamento também tem influência e mostra sinais de um reordenamento que não é o que imaginava o governo até muito pouco tempo atrás”, afirmou Jacquelin.
Com esse cenário de polarização política, fragilidade institucional e desgaste social, Javier Milei se aproxima da metade de seu mandato enfrentando seu maior teste: manter o discurso de austeridade em meio a um Congresso hostil, uma população empobrecida e uma classe política que já começou a se mover para as eleições legislativas de outubro.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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