Uma mudança silenciosa, mas com alto potencial de impacto, pode redesenhar o cenário da fiscalização ambiental no Brasil. Aprovado de forma acelerada e durante a madrugada na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 2.159/21 abre caminho para que infrações ambientais passem a ser ignoradas sob um modelo mais permissivo de licenciamento. Se a nova regra já estivesse em vigor nas últimas duas décadas, os R$ 65,4 milhões em multas aplicadas entre 2008 e 2025 no Distrito Federal poderiam sequer ter existido.
O texto, votado na última quinta-feira (18), cria um sistema de licenciamento por “adesão e compromisso”, eliminando a exigência de estudos de impacto para atividades consideradas de baixo e médio potencial poluidor. Na prática, segundo especialistas, trata-se de um esvaziamento da fiscalização.
“A pessoa declara que está licenciada e pronto. Vai punir e fiscalizar como?”, questiona Pedro Ivo Batista, representante do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Para ele, a proposta abre espaço para uma escalada de atividades sem controle ambiental, com risco direto para áreas de proteção e unidades de conservação.
Levantamento do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) mostra que, somente no Distrito Federal, houve infrações milionárias. Um dos casos mais graves envolve o desmatamento de 1.200 hectares no Parque Nacional, que resultou em multas superiores a R$ 12 milhões. Há também registros de exploração irregular por madeireiras dentro da Floresta Nacional (Flona), uma área visada por grileiros e marcada por queimadas recorrentes.
Hoje, a Flona abriga 347 imóveis rurais cadastrados no sistema federal de controle ambiental. Com a nova lei, bastaria o registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR) para garantir o licenciamento sem nenhuma avaliação técnica ou autorização expressa dos órgãos ambientais.
A proposta foi aprovada com o voto favorável de 267 deputados. Pelo texto, cada estado ou município poderá definir quais atividades se enquadram como de baixo ou médio impacto, e o licenciamento automático terá validade entre cinco e dez anos. Na avaliação de ambientalistas, isso transfere a responsabilidade da União para entes locais, que nem sempre têm estrutura técnica ou política para resistir a pressões econômicas.
A votação acelerada de um tema tão sensível levanta preocupações sobre os rumos da política ambiental brasileira. O enfraquecimento das ferramentas de controle, somado à ausência de estudos prévios, pode tornar invisível o que antes era considerado crime ambiental.
Por Kátia Gomes | Revisão: Daniela Gentil
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