A Polícia Federal indiciou, nesta sexta-feira (14), o ex-ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, pelo crime de importunação sexual. O indiciamento marca um novo desdobramento das investigações que vinham sendo conduzidas desde o início de 2024, após o surgimento de denúncias de assédio envolvendo o então ministro.
Segundo informações confirmadas por fontes ligadas à investigação, o relatório final da PF foi enviado ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça, responsável por relatar o caso na Corte. Após receber o documento, Mendonça determinou o imediato encaminhamento dos autos à Procuradoria-Geral da República (PGR), que agora passa a ser responsável pela definição dos próximos passos do processo.
Com isso, caberá ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, analisar o conjunto de provas reunidas pela Polícia Federal e decidir se apresenta denúncia formal ao STF, solicitar novas diligências ou determinar o arquivamento da investigação. Não há prazo definido para essa manifestação.
Como começou a investigação
O caso envolvendo Silvio Almeida ganhou notoriedade em setembro de 2024, quando o ex-ministro foi exonerado do cargo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão ocorreu após denúncias internas e externas chegarem ao Ministério dos Direitos Humanos e, posteriormente, serem encaminhadas para apuração da Controladoria-Geral da União (CGU) e da própria Polícia Federal.
Naquele momento, a organização Me Too Brasil que atua no acolhimento e encaminhamento de denúncias de assédio confirmou que havia recebido relatos contra Almeida. Entre os depoimentos encaminhados à entidade estaria o de uma figura central do governo: a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.
Segundo informações divulgadas por veículos de imprensa à época, Anielle relatou ter sido vítima de comportamentos inadequados por parte do então colega de Esplanada. Outros relatos, de funcionárias vinculadas ao ministério, reforçaram a necessidade de uma investigação mais ampla, que acabou se consolidando em um inquérito formal da PF.
Negações e repercussão política
Desde as primeiras denúncias, Silvio Almeida negou todas as acusações. Em declarações públicas e notas divulgadas por sua defesa, o ex-ministro afirma ser vítima de um “processo injusto” e diz que jamais praticou qualquer conduta incompatível com o cargo que ocupou.
A repercussão política do caso, porém, foi imediata. Além de fragilizar a imagem do Ministério dos Direitos Humanos, a crise gerou desconforto no governo e entre aliados no Congresso. A saída de Almeida marcou uma das substituições mais delicadas da equipe ministerial em 2024, especialmente pela importância institucional da pasta e pelo simbolismo de ter um ministro negro acusado de importunação sexual por mulheres negras, incluindo uma ministra.
A demissão veio acompanhada de uma nota do governo destacando que as denúncias seriam apuradas com rigor e que a administração federal não toleraria comportamentos que violassem direitos fundamentais ou comprometesse a integridade das instituições.
Etapa atual do caso
Com o indiciamento formalizado, o inquérito entra agora em sua fase conclusiva no âmbito policial. O relatório da PF, que permanece sob sigilo, reúne depoimentos, registros obtidos durante diligências e elementos técnicos considerados suficientes para o enquadramento no crime previsto no artigo 215-A do Código Penal de importunação sexual.
A PGR, responsável pela acusação em processos que tramitam no STF, tem autonomia para acolher ou não as conclusões do relatório. Caso o procurador-geral decida apresentar uma denúncia, Silvio Almeida passará à condição de réu, e o Supremo decidirá se aceita ou não a abertura da ação penal.
Se, por outro lado, Gonet entender que faltam elementos suficientes, poderá solicitar novas diligências ou arquivar o caso. Qualquer que seja a decisão, ela deve ser fundamentada e encaminhada ao STF.
Impacto institucional
A repercussão das denúncias e do indiciamento provocou debates internos no governo sobre mecanismos de prevenção e combate ao assédio dentro da administração pública. A saída de Almeida, embora rápida, evidenciou fragilidades do sistema de apuração disciplinar e da rede de proteção às vítimas.
Setores do Executivo passaram a defender protocolos mais rígidos de denúncia, acompanhamento e proteção às vítimas dentro dos ministérios. Grupos de trabalho e ouvidorias específicas foram acionados para reformular práticas internas, especialmente em áreas sensíveis como direitos humanos, igualdade racial e combate à violência de gênero.
O caso também mobilizou organizações da sociedade civil, que cobraram transparência e rigor na investigação, além de políticas mais efetivas para prevenir assédio no serviço público. Movimentos de mulheres e entidades ligadas ao combate à violência de gênero argumentaram que o governo precisava tratar o episódio não como um caso isolado, mas como um alerta estrutural.
Trajetória de Silvio Almeida
Antes da crise, Silvio Almeida era um dos ministros mais conhecidos do governo Lula pela forte atuação no campo dos direitos humanos, pela formação acadêmica sólida e pela projeção internacional. Professor, advogado e especialista em direito antidiscriminatório, ele ganhou destaque sobretudo por seu trabalho no debate sobre racismo estrutural no Brasil.
Sua postura técnica e seu discurso sobre direitos fundamentais chamavam atenção desde o início da gestão, tornando-o figura frequente em fóruns internacionais e conferências. No entanto, as denúncias somadas ao desgaste político tornaram sua permanência no cargo insustentável.
Após sua saída, ele se manteve relativamente afastado da vida pública e passou a centrar sua atuação na defesa pessoal e jurídica, enquanto aguardava os desdobramentos da investigação.
Desdobramentos possíveis
O indiciamento representa um marco importante, mas ainda não significa que o ex-ministro será denunciado. A decisão da PGR deverá considerar tanto o conteúdo do relatório da PF quanto o contexto jurídico do caso.
Caso haja denúncia e o STF aceite dar início à ação penal, o processo seguirá para uma fase de instrução, com novas oitivas, apresentação de provas, defesa e posterior julgamento pelo plenário da Corte.
Organizações de defesa dos direitos das mulheres e movimentos contra a violência sexual acompanham de perto cada etapa, afirmando que a responsabilização é fundamental, independentemente da posição ou projeção do investigado.
Enquanto isso, aliados do ex-ministro defendem a necessidade de aguardar o trâmite legal e reforçar a presunção de inocência.
O indiciamento de Silvio Almeida pela Polícia Federal representa um momento decisivo nas investigações que abalaram o Ministério dos Direitos Humanos em 2024. Com o caso agora nas mãos da Procuradoria-Geral da República, o desfecho pode definir não apenas o futuro do ex-ministro, mas também reforçar debates nacionais sobre assédio no setor público, mecanismos de proteção às vítimas e responsabilidade institucional.
As próximas semanas devem ser determinantes para o rumo do processo e para o impacto político que ele ainda pode gerar dentro e fora do governo
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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