Dispositivos de áudio alimentados por energia solar, programados para recitar mensagens bíblicas em português e espanhol, foram encontrados em território do povo indígena Korubo, no Vale do Javari, Amazonas. A denúncia foi revelada por uma investigação conjunta dos jornais O Globo e The Guardian.
Os equipamentos, semelhantes a rádios, são do modelo “Messenger” e pertencem à organização evangélica americana In Touch Ministries, sediada em Atlanta, nos Estados Unidos. Segundo a entidade, os dispositivos são distribuídos globalmente em mais de 100 idiomas para grupos considerados “não alcançados” pelo cristianismo. Embora a organização afirme não atuar onde não é autorizada, sete desses dispositivos foram localizados em áreas de povos isolados, onde qualquer forma de proselitismo religioso é ilegal no Brasil desde 1987.
Além dos rádios solares, outros recursos foram empregados por missionários para tentar contato com os indígenas, como drones e sobrevoos não autorizados. O sargento da Polícia Militar Cardovan da Silva Soeiro relatou ao O Globo, ter avistado drones sobre a base do posto de proteção no Javari, sem saber se seriam de missionários, traficantes ou garimpeiros. Ele recebeu ordens para abatê-los, mas não obteve sucesso.
Organizações como a Missão Novas Tribos do Brasil, com origem nos EUA, e a Jovens Com Uma Missão (JOCUM) já tentaram contato com os Korubo em ocasiões anteriores. Um exemplo citado é o do missionário americano Andrew Tonkin, que, em 2020, usou hidroaviões para mapear trilhas e tentar entrar em territórios isolados, o que é considerado invasão ilegal. Ele foi denunciado à Funai, ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal.
O procurador federal Daniel Luís Dalberto, que acompanha casos envolvendo os povos isolados, alertou para o uso de métodos furtivos por parte de missionários em entrevista aos Jornais. “É uma conversão furtiva, discreta. O método se tornou sofisticado e difícil, quase impossível de combater.”
Apesar do risco, a presença dos dispositivos gerou reações diversas entre os Korubo. A líder da aldeia, Mayá, foi enfática ao recusar qualquer tentativa missionária: “Não quero que missionários venham à nossa aldeia. Se vierem, nós os atacaremos com bordunas.” disse para o O Globo E The Guardian
A política brasileira de “não contato”, em vigor desde 1987, busca proteger os povos em isolamento voluntário, que têm conhecimento do mundo exterior, mas optam por não manter relações com a sociedade envolvente. Atualmente, há 114 registros de povos isolados no país, dos quais 29 foram confirmados pela Funai.
Especialistas e entidades indígenas alertam que o contato forçado pode causar graves danos culturais e sanitários, uma vez que esses povos não têm imunidade a doenças comuns. A Constituição Federal e tratados internacionais garantem a esses povos o direito à proteção integral de seus territórios e modos de vida.
Com informações de O Globo e The Guardian
Por João Vitor Mendes | Revisão: Daniela Gentil
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