O governo federal oficializou a proibição do uso da linguagem neutra em todos os órgãos públicos do país, abrangendo União, Estados e municípios. A determinação foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) na segunda-feira (17), após aprovação do Congresso Nacional, e passa a integrar a lei que institui o uso da chamada linguagem simples como padrão para a comunicação governamental.
De acordo com o texto, a administração pública deverá redigir documentos, comunicados e conteúdos oficiais de acordo com a norma culta da língua portuguesa, seguindo regras consolidadas pela gramática formal, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) e pelo Acordo Ortográfico em vigor desde 2008. Isso impede o uso de termos como “todes”, “amigues”, “elu”, entre outras variações não reconhecidas oficialmente pela língua portuguesa.
A medida tem como objetivo aprimorar a clareza e acessibilidade das mensagens emitidas pelo governo, garantindo que a população compreenda e utilize facilmente as informações disponibilizadas pelos órgãos públicos, sem necessidade de intermediários ou interpretações complexas.
Linguagem simples passa a ser regra na comunicação oficial
A lei determina que a linguagem utilizada pelos órgãos públicos deve ser direta, clara e de fácil compreensão. Para isso, estabelece uma série de critérios obrigatórios para servidores e setores de comunicação, entre eles:
- Redigir frases em ordem direta
- Utilizar frases curtas e objetivas
- Desenvolver uma ideia por parágrafo
- Priorizar palavras comuns e acessíveis
- Evitar jargões técnicos ou, se necessários explicá-los no próprio texto
- Não utilizar palavras estrangeiras que não sejam de uso corrente
- Evitar termos pejorativos
- Escrever o nome completo de órgãos e programas antes de apresentar siglas
- Utilizar listas, tabelas e recursos gráficos quando necessário
- Organizar o texto para que as informações mais importantes apareçam primeiro
- Não empregar novas formas de flexão de gênero ou número, em desacordo com regras oficiais do português
- Redigir preferencialmente na voz ativa
- Evitar frases com excesso de intercalações
- Evitar substituir verbos por substantivos
- Eliminar redundâncias e palavras desnecessárias
- Evitar termos imprecisos
- Usar linguagem acessível para pessoas com deficiência, conforme determina o Estatuto da Pessoa com Deficiência
- Testar previamente a compreensão do texto junto ao público-alvo quando cabível.
A proposta busca modernizar a comunicação estatal, tornando-a mais objetiva e acessível para diferentes grupos sociais, especialmente aqueles que dependem de serviços públicos e precisam interpretar informações de forma rápida e eficiente.
Veto parcial na sanção presidencial
Na sanção do texto, o governo vetou um trecho específico: o que obrigava órgãos públicos a designarem formalmente um servidor para atuar como responsável pela adequação da linguagem simples.
Segundo o governo federal, essa exigência feria princípios constitucionais, já que leis relacionadas à organização da administração pública só podem ser propostas pelo Poder Executivo. Assim, a inclusão da obrigatoriedade foi considerada inconstitucional e retirada antes da publicação final da lei.
Linguagem neutra e o debate público
A linguagem neutra, frequentemente utilizada por parte da comunidade LGBTQIA+ e movimentos sociais, tem como proposta ampliar a inclusão de pessoas que não se identificam exclusivamente com os gêneros masculino ou feminino. Entre as alternativas já difundidas estão:
- Uso de vogal “e” para neutralizar palavras (“todes”, “amigues”)
- Substituição da letra “o” por “x” ou @ (“todxs”, “tod@s”)
- Uso de pronomes neutros como “elu”.
Apesar da intenção de criar formas mais inclusivas de comunicação, o tema divide opiniões. Críticos alegam que a adoção da linguagem neutra traria dificuldades de compreensão, especialmente para pessoas com alfabetização limitada ou que dependem de linguagem direta em serviços públicos, como idosos e cidadãos com deficiências. Além disso, argumentam que não existe regulamentação linguística oficial que reconheça tais variantes no português.
Esse debate chegou também às instituições públicas. Projetos de lei tramitam no Congresso para proibir o uso da linguagem neutra em escolas, concursos públicos e documentos oficiais. O tema já foi levado inclusive ao Supremo Tribunal Federal (STF), que analisa ações relativas à competência de estados e municípios para legislar sobre educação e comunicação institucional.
Como a mudança afeta órgãos públicos e servidores
Com a nova regra, qualquer documento digital ou impresso produzido por órgãos governamentais deverá obrigatoriamente seguir o padrão formal da língua portuguesa. Isso inclui:
- Comunicados oficiais
- Páginas de sites e portais governamentais
- Formulários
- Notas técnicas
- Materiais educativos e informativos
- Conteúdos de redes sociais institucionais
- Editais, convênios e atos normativos.
O descumprimento da norma pode gerar responsabilização administrativa, dependendo das diretrizes internas de cada órgão.
Setores ligados à educação e à comunicação institucional deverão revisar materiais já existentes e adaptar conteúdos futuros, de forma a manter a conformidade com o novo padrão.
Impactos no debate educacional
A discussão sobre linguagem neutra vem ganhando força especialmente no ambiente educacional. Enquanto setores defendem sua adoção para promover o respeito à diversidade de gênero, outros afirmam que a mudança geraria impactos negativos no processo de alfabetização.
A nova determinação federal, embora não trate especificamente do ambiente escolar, acaba tensionando esse debate. Escolas públicas e privadas, ao produzirem comunicações que envolvam órgãos governamentais ou secretarias de educação, também deverão seguir a norma culta.
O que esperar daqui para frente
A proibição da linguagem neutra nos órgãos públicos marca uma mudança significativa na política de comunicação institucional no Brasil. Enquanto a lei promove a simplificação textual e a clareza informacional, também reforça limites formais sobre o uso de expressões vinculadas a recortes identitários e debates contemporâneos sobre gênero.
A expectativa é que, nas próximas semanas, ministérios, secretarias estaduais e prefeituras iniciem processos de adequação, revisando materiais, treinando equipes e padronizando conteúdos.
A discussão pública sobre o tema, no entanto, deve continuar. A linguagem neutra segue presente no cotidiano digital, nas redes sociais, em movimentos sociais e em ambientes culturais, indicando que o tema ainda ocupará espaço no debate social e político do país mesmo diante da nova determinação oficial.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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