O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta quinta-feira (31) que a soberania nacional é o princípio mais fundamental da democracia brasileira, em resposta velada à série de medidas adotadas pelos Estados Unidos contra o Brasil. Na véspera, o governo norte-americano formalizou tarifa de 50% sobre produtos brasileiros e aplicou sanções diretas ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), com base na Lei Magnitsky, um mecanismo legal usado para punir autoridades estrangeiras por supostas violações de direitos humanos.
“Sem soberania, o Brasil não existiria. Foi ela que nos trouxe liberdade e independência. E é ela que aparece em primeiro lugar em nossa Constituição, entre os demais princípios fundamentais”, escreveu Lula em suas redes sociais.
Sem mencionar diretamente os EUA, o presidente seguiu: “Soberania é a autoridade que um povo tem sobre seu próprio destino. É a capacidade de um país decidir seus rumos, proteger seus recursos, cuidar de seu território e defender seus interesses diante do mundo”.
A declaração vem em meio à mais grave tensão diplomática entre Brasil e Estados Unidos em décadas, em um contexto que mistura disputas comerciais, críticas à condução do Judiciário brasileiro e pressões geopolíticas sobre o papel do país no cenário internacional.
Tarifaço oficializado por Trump
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou na quarta-feira (30) uma ordem executiva que impõe tarifa extra de 40% sobre produtos brasileiros, elevando a carga total para 50%. O decreto confirma o anúncio feito no início de julho, e impacta diretamente setores como siderurgia, têxtil, mineração e alimentos processados.
Embora o texto exclua setores estratégicos como aeronaves, energia e suco de laranja, o impacto sobre as exportações brasileiras pode ser significativo. Segundo analistas da área de comércio exterior, a medida pode gerar um prejuízo de até US$ 4,5 bilhões por ano, afetando a competitividade de produtos nacionais no mercado norte-americano.
Na justificativa oficial da Casa Branca, Trump cita “ameaças incomuns e extraordinárias à segurança nacional, à política externa e à economia dos Estados Unidos”, supostamente representadas por decisões recentes do Supremo Tribunal Federal do Brasil, especialmente em casos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Trump também critica os processos judiciais em curso contra Bolsonaro, que hoje é réu no STF por tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito. O republicano argumenta que tais processos “violam garantias universais de liberdade de expressão e de participação política”, e que os EUA não podem manter relações comerciais normais com um país que, segundo ele, persegue lideranças políticas da oposição.
Sanções contra Alexandre de Moraes
Além do tarifaço, os Estados Unidos anunciaram, no mesmo decreto, a inclusão do ministro Alexandre de Moraes na lista de sancionados pela Lei Magnitsky Global, norma que permite a imposição de restrições financeiras e diplomáticas a indivíduos acusados de corrupção ou de graves violações de direitos humanos.
Com a medida, Moraes tem seus bens e contas bloqueados nos EUA, está proibido de entrar no país e de utilizar o sistema financeiro americano. A sanção é incomum contra magistrados, mas não inédita: quatro outros juízes de países como Rússia e Uganda já foram alvo de medidas semelhantes.
O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, declarou que Moraes “atua como juiz e executor de uma caça às bruxas contra cidadãos e empresas americanas”, e o acusou de liderar “uma campanha opressora de censura, detenções arbitrárias e perseguições políticas”.
“As ações de hoje deixam claro que o Tesouro vai continuar a responsabilizar aqueles que ameacem os interesses americanos e a liberdade de nossos cidadãos”, disse Bessent.
Reação no Brasil
A decisão provocou reações imediatas de autoridades brasileiras. O Itamaraty divulgou nota classificando as medidas como “inaceitáveis e lesivas à soberania nacional”. Fontes do Ministério das Relações Exteriores ouvidas sob reserva disseram que o governo brasileiro pretende acionar a OMC (Organização Mundial do Comércio) contra a imposição das tarifas, além de buscar apoio diplomático de outros países da América do Sul, da União Europeia e dos BRICS.
No Congresso Nacional, líderes de diversos partidos também se manifestaram. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que “não cabe a nenhum país impor punições unilaterais com base em processos judiciais legítimos de outra nação soberana”. Já o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cobrou uma resposta “à altura da gravidade da provocação”.
Por outro lado, aliados de Jair Bolsonaro celebraram as medidas. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) classificou a sanção contra Moraes como “um marco da resistência democrática internacional contra o autoritarismo judicial no Brasil”.
Impactos comerciais e políticos
Especialistas apontam que a sanção contra Moraes é um gesto sem precedentes em tempos de paz entre os dois países e que abre uma crise diplomática de proporções globais. A decisão também pode ter efeitos colaterais sobre outros ministros do STF e integrantes do sistema de Justiça brasileiro.
Para o cientista político Guilherme Casarões, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a ação de Trump mistura retaliação política com protecionismo econômico, aproveitando o momento eleitoral nos EUA. “É uma forma de agradar a base bolsonarista nos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, proteger setores da indústria americana da concorrência com produtos brasileiros”, avalia.
Já a economista Lúcia Garcia, da consultoria LCA, alerta que os impactos comerciais podem ser profundos e duradouros. “O Brasil vinha retomando posições no mercado norte-americano. Esse tarifaço joga um balde de água fria em diversas cadeias produtivas”, disse.
Rumo incerto na relação bilateral
Apesar das tensões, o governo brasileiro deve adotar uma abordagem cautelosa nos próximos dias. Lula já sinalizou a intenção de não romper totalmente os canais diplomáticos, mas pretende endurecer o tom em fóruns internacionais.
“O Brasil é um país soberano, com instituições legítimas e reconhecidas. Ninguém vai ditar ao nosso Judiciário como deve agir. O respeito mútuo é a base de qualquer relação internacional séria”, afirmou uma fonte do Palácio do Planalto.
Enquanto isso, o clima político interno se aquece. A base aliada do governo Lula estuda apresentar moções de repúdio no Congresso Nacional, enquanto setores mais conservadores pressionam por um reposicionamento do Brasil em relação aos EUA e a favor de alianças mais próximas com potências como China e Rússia.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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