A tarde de sábado (15) na Ressacada, em Florianópolis, deveria ter sido marcada apenas por mais um duelo válido pela Série B do Campeonato Brasileiro, entre Avaí e Remo. No entanto, a partida tornou-se cenário de um dos episódios mais graves envolvendo torcedores no futebol brasileiro nos últimos anos. Uma torcedora do Avaí, identificada como Ana Costa, foi registrada em vídeo proferindo ofensas racistas e xenofóbicas contra torcedores do Remo, do Pará.
As imagens, amplamente compartilhadas nas redes sociais, mostram a mulher rindo e gritando frases como “olha a tua cor”, “vão embora de jegue?” e “gastou o salário para vir, agora vai embora a pé”. Outro homem, próximo a ela, também aparece gritando provocações de cunho xenofóbico, enquanto um terceiro tenta alertá-la de que suas agressões estavam sendo filmadas.
O conteúdo chocante circulou rapidamente e desencadeou uma onda de repúdio nacional. Entre as reações, estão manifestações de clubes, federações, autoridades, entidades esportivas e até da prefeitura de Florianópolis. As falas atribuídas à torcedora, consideradas crimes conforme a legislação brasileira, já são alvo de investigação criminal e de procedimentos administrativos.
Identificação e afastamento imediato
Poucas horas após a circulação dos vídeos, o Avaí confirmou que havia iniciado a identificação da mulher. No domingo (16), ela foi reconhecida oficialmente como Ana Costa, integrante do Conselho Deliberativo do clube. A situação agravou ainda mais o caso, já que pessoas ligadas institucionalmente ao futebol têm responsabilidade redobrada dentro e fora dos estádios.
Segundo apuração do jornalista Matheus Deichmann, da Jovem Pan News Florianópolis, Ana foi afastada de suas funções no Conselho Deliberativo. Embora o Avaí não tenha confirmado oficialmente o vínculo até o momento da publicação, a informação foi amplamente repercutida e não contestada pelo clube.
Além do afastamento, Ana teve todo e qualquer acesso a eventos do Avaí suspenso por tempo indeterminado, medida que já havia sido anunciada na primeira nota emitida pela diretoria do clube antes mesmo de a identidade da torcedora ser revelada.
O caso agora está sob responsabilidade da Delegacia de Repressão ao Racismo e Intolerância (DRRDI), que abriu investigação para apurar os crimes cometidos.
As frases registradas no vídeo
O vídeo, que dura poucos segundos, registra ofensas de alto teor discriminatório. Entre as frases ditas pela torcedora estão:
- “Vão embora de jegue?”
- “O que é que tem no Pará? Seu feio!”
- “Gastou o salário para vir, agora vai embora a pé”
- “O prefeito não quer aqui em Floripa tu”
- “Olha a tua cor”
- “Pobre aqui não fica”
- “Quer comer? Está com fome? Ali tem a comidinha de graça”
Ao fundo, outro homem também provoca torcedores do Remo, enquanto um terceiro tenta alertar a mulher sobre as consequências de suas ações.
As falas contêm elementos claros de racismo e xenofobia, crimes previstos na legislação brasileira como inafiançáveis e imprescritíveis.
Reações de Avaí, Remo, federações e entidades esportivas
As reações não tardaram a aparecer. O Avaí divulgou nota oficial repudiando “de forma inequívoca e total” as atitudes da torcedora. O clube afirmou estar alinhado com autoridades policiais e reforçou que o racismo “é crime grave que não pode ser tolerado dentro ou fora dos estádios”.
Na sequência, o Clube do Remo também se manifestou, classificando o episódio como “repugnante” e cobrando punições severas. Segundo a nota, os atos foram “uma clara manifestação de racismo e intolerância” e exigem resposta compatível com a gravidade dos fatos.
A Federação Paraense de Futebol (FPF) acionou a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Federação Catarinense de Futebol (FCF), ressaltando que o comportamento não atinge apenas torcedores paraenses, mas toda a sociedade brasileira. Já a FCF condenou o caso e reiterou que as pessoas responsáveis devem ser punidas.
A mobilização institucional reforça o entendimento de que casos de racismo e xenofobia no futebol não são mais tratados como “incidentes isolados”, mas sim como crimes que exigem resposta imediata.
Posicionamento da prefeitura e do prefeito de Florianópolis
Além das entidades esportivas, a prefeitura de Florianópolis também se pronunciou oficialmente, repudiando o comportamento da torcedora e afirmando que atos como esse são “inaceitáveis” e não representam os valores da cidade.
O prefeito Topázio Neto publicou nota nas redes sociais pedindo desculpas ao povo paraense e ao torcedor alvo das ofensas. Ele também defendeu investigação rigorosa e punição à responsável, destacando que comportamentos discriminatórios precisam ser condenados “todos os dias”.
Defesa da torcedora fala em “episódio isolado” e “recorte incompleto”
A defesa de Ana Costa divulgou uma nota extensa à imprensa, afirmando que o vídeo “não reflete quem ela é” e que a torcedora teria sido alvo de agressões verbais momentos antes. Segundo o texto, o que aparece nas imagens seria apenas um “recorte isolado e incompleto” da confusão, classificada pela defesa como “agressão mútua”.
A nota diz ainda que Ana não possui qualquer tipo de preconceito e que respeita profundamente paraenses, catarinenses e as torcidas envolvidas. A torcedora pediu desculpas publicamente.
Apesar disso, a argumentação tem gerado controvérsias. Especialistas em direitos humanos e advogados criminalistas ressaltam que a eventual existência de provocação prévia não elimina o caráter criminoso das falas registradas em vídeo. Para eles, a justificativa não anula a prática de racismo ou xenofobia, mas pode eventualmente influenciar na análise do contexto.
Procedimentos legais e próximos passos
A abertura de procedimento pela 40ª Promotoria de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) indica que a investigação deve avançar rapidamente. O órgão já apura um possível crime de racismo associado à xenofobia.
A Delegacia de Repressão ao Racismo e Intolerância deverá ouvir testemunhas, analisar imagens e identificar outros envolvidos, como o homem que aparece gritando ofensas ao lado da torcedora. Dependendo das conclusões, o caso poderá resultar em denúncia formal, processo criminal e aplicação de medidas previstas na Lei do Racismo.
As punições podem incluir desde multas e proibição de frequentar estádios até pena de reclusão, a depender do enquadramento jurídico adotado.
Um episódio que reacende o debate sobre racismo no futebol brasileiro
O caso envolvendo torcedores do Avaí e do Remo expõe, mais uma vez, que o futebol brasileiro ainda enfrenta um problema estrutural de racismo, xenofobia e intolerância. Casos semelhantes têm se repetido em estádios por todo o país, apesar das ações promovidas por clubes, federações e campanhas de conscientização.
Especialistas apontam que a combinação entre punições rigorosas e ações educativas contínuas é fundamental para combater a cultura discriminatória que persiste nos estádios. A postura firme das instituições diante deste caso específico pode representar mais um passo importante nessa direção.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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