O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu nesta segunda-feira (18) um telefonema do presidente da Rússia, Vladimir Putin. A ligação, que durou cerca de 40 minutos, foi dedicada principalmente ao balanço que Putin fez sobre sua reunião com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, realizada no Alasca no dia 15 de agosto. Segundo relato do Kremlin e do Palácio do Planalto, o líder russo avaliou o encontro como positivo, apesar de não ter resultado em acordos concretos sobre o fim da guerra na Ucrânia.
Durante a conversa, Putin também destacou o papel do Brasil no Grupo de Amigos da Paz, iniciativa conjunta com a China e outros países do Sul Global que busca propor alternativas diplomáticas para o conflito. O presidente Lula agradeceu a deferência, reafirmou a posição brasileira em favor do diálogo e desejou êxito nas negociações que possam conduzir a um cessar-fogo.
“O presidente Lula agradeceu o telefonema e reafirmou o apoio do Brasil a todos os esforços que conduzam a uma solução pacífica para o conflito entre Rússia e Ucrânia”, informou o Planalto em nota oficial.
Cúpula no Alasca: diálogo sem acordo
O encontro entre Putin e Trump ocorreu em Anchorage, no Alasca, na Base Conjunta Elmendorf-Richardson. Foi a primeira reunião presencial entre os dois líderes desde que Trump reassumiu a Casa Branca, em janeiro de 2025.
As conversas duraram cerca de três horas, mas terminaram sem avanços significativos. Nenhum acordo sobre cessar-fogo ou negociações de paz foi firmado. Ainda assim, Putin descreveu o encontro como “respeitoso e construtivo”. Trump, por sua vez, elogiou o diálogo, mas reconheceu a falta de resultados práticos.
“O clima foi de mútuo respeito. Não chegamos a um entendimento final, mas demos um passo importante para manter canais abertos”, afirmou Putin após a reunião. Trump, em discurso semelhante, disse que “foi um bom início”, embora não escondesse a frustração por não ter obtido compromissos mais firmes da parte russa.
A ausência de um desfecho imediato gerou críticas de analistas internacionais, que esperavam mais da primeira grande cúpula entre Washington e Moscou desde a retomada da ofensiva russa no leste da Ucrânia no início do ano.
Brasil como interlocutor
Para o Brasil, o telefonema de Putin reforça a importância que o país vem adquirindo no campo diplomático. Desde o início de seu terceiro mandato, Lula tenta reposicionar o país como mediador em crises internacionais. Ao lado da China, criou o Grupo de Amigos da Paz, formado por países do Sul Global que defendem alternativas negociadas para o fim da guerra.
Putin reconheceu explicitamente essa participação durante a ligação, gesto interpretado em Brasília como sinal de que Moscou está aberta a considerar propostas que extrapolem o eixo tradicional Ocidente Oriente.
“O Brasil tem buscado manter equilíbrio: não rompeu com a Rússia, mas também não legitimou a invasão da Ucrânia. Essa postura dá a Lula margem para atuar como interlocutor”, avalia a pesquisadora Carolina Andrade, especialista em relações internacionais da USP.
Guerra e pressões internas
A guerra na Ucrânia já se prolonga por mais de três anos e continua a desgastar a imagem internacional da Rússia. No plano doméstico, Putin enfrenta pressões por resultados econômicos diante das sanções impostas pelo Ocidente. Trump, por outro lado, tenta cumprir sua promessa de campanha de “resolver a guerra rapidamente”, mas esbarra nas desconfianças da União Europeia e de aliados da Otan.
Segundo diplomatas brasileiros, a ligação de Putin a Lula foi também um gesto estratégico. O Kremlin busca demonstrar que não está isolado e que mantém diálogo ativo com potências emergentes.
O telefonema e seus significados
A ligação foi tratada com cuidado pelo Itamaraty, que optou por divulgar apenas uma nota resumida, sem maiores detalhes. Ainda assim, diplomatas confirmam que Putin relatou os principais pontos discutidos com Trump no Alasca, incluindo segurança nuclear, fluxos comerciais e a busca por um possível cessar-fogo temporário em regiões específicas da Ucrânia.
Lula, de acordo com a nota, limitou-se a reafirmar o apoio do Brasil a iniciativas pacíficas e a desejar sucesso às tratativas. O presidente brasileiro vem repetindo em fóruns internacionais que a solução para a guerra “não será militar, mas política”.
Para analistas, o gesto de Putin de compartilhar impressões com Lula evidencia um reposicionamento diplomático do Brasil. “Ele quis passar a mensagem de que confia no Brasil como parceiro de diálogo. Isso tem peso simbólico”, afirma o cientista político Rogério Duarte, da UnB.
Repercussão internacional
A imprensa internacional destacou o telefonema como parte da estratégia de Putin de manter visibilidade positiva após o encontro com Trump. O jornal norte-americano Washington Post observou que a reunião no Alasca terminou “sem um acordo concreto”, mas que o telefonema a Lula demonstrou a intenção russa de “buscar legitimidade global por meio de aliados não ocidentais”.
Na China, veículos estatais enfatizaram o papel do Grupo de Amigos da Paz, descrevendo Brasil e Pequim como “forças responsáveis na busca por estabilidade internacional”.
Já na Europa, analistas receberam a notícia com cautela, ressaltando que iniciativas paralelas não devem substituir o protagonismo da União Europeia e da Otan no processo.
Perspectivas
A expectativa é que Trump e Putin voltem a se encontrar nos próximos meses, possivelmente em Genebra, para uma segunda rodada de negociações. Até lá, o Brasil deve seguir acompanhando as movimentações de perto.
No plano interno, Lula reforça sua narrativa de que o Brasil deve “sentar-se à mesa” das grandes discussões internacionais, não apenas como observador, mas como articulador de alternativas.
“O telefonema de Putin é mais um capítulo de um esforço brasileiro de mostrar que não existe apenas uma via de negociação. O Sul Global quer e precisa ser ouvido”, resume Carolina Andrade.
Por Alemax Melo | Revisão: Daniela Gentil
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