Seis dos dez estados brasileiros com maiores taxas de violência sexual contra crianças e adolescentes estão na Amazônia Legal. O dado é do estudo Violência contra crianças e adolescentes na Amazônia, divulgado pelo UNICEF e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Entre 2021 e 2023, a região registrou mais de 13 mil estupros contra vítimas de até 19 anos e quase 3 mil mortes violentas nessa mesma faixa etária.
Com base em dados das secretarias estaduais de Segurança Pública, o relatório mostra que a Amazônia Legal — que reúne os de 772 municípios de nove estados, apresenta índices de violência sexual acima da média nacional. Em 2023, foram 141,3 casos para cada 100 mil crianças e adolescentes, 21,4% acima da taxa do Brasil (116,4). O crescimento também foi maior: enquanto o país registrou aumento de 12,5% nos casos de estupro e estupro de vulnerável entre 2021 e 2022, na região amazônica a alta foi de 26,4%.
Os estados com maiores taxas foram Rondônia (234,2 casos por 100 mil), Roraima (228,7), Mato Grosso (188,0), Pará (174,8), Tocantins (174,2) e Acre (163,7). A violência foi mais frequente em municípios localizados até 150 km das fronteiras brasileiras, com taxa de 166,5 superior à dos demais municípios (136,8).
Segundo Nayana Lorena da Silva, oficial de Proteção contra a Violência do UNICEF, “as crianças e adolescentes da Amazônia Legal estão extremamente expostos a diferentes violências. Desigualdades étnico-raciais, vulnerabilidade social, conflitos territoriais, fronteira extensa e crimes ambientais criam um cenário complexo para a garantia de direitos”.
O pesquisador Cauê Martins, do FBSP, destaca que as taxas de mortes violentas intencionais (MVI) nos centros urbanos amazônicos são 31,9% maiores do que no resto do país. Embora os números tenham caído de 1.076 mortes em 2021 para 911 em 2023, adolescentes de 15 a 19 anos continuam 27% mais vulneráveis à violência letal na região.
Desigualdades raciais
Entre as vítimas de estupro, 81% eram pretos e pardos e 2,6% indígenas. A taxa foi de 45,8 casos por 100 mil crianças negras, contra 32,7 entre brancas. Já nas mortes violentas, negros estão três vezes mais expostos que brancos. Apenas em 2023, 91,8% das vítimas de mortes decorrentes de intervenção policial eram negras.
O relatório também mostra que a violência contra indígenas cresceu de forma acentuada: entre 2021 e 2023, foram 94 mortes violentas de crianças e adolescentes indígenas, além de aumento de 151% nos registros de violência sexual.
Maus-tratos
A Amazônia Legal registrou 10.125 casos de maus-tratos entre 2021 e 2023. Em 2023, a taxa foi de 52,9 por 100 mil crianças e adolescentes, ligeiramente acima da média nacional (52). A maioria dos crimes foi praticada por familiares (94,7%), dentro de casa (67,6%). As principais vítimas foram meninas (52,1%), negras (78,9%) e com idades entre 5 e 9 anos (35,2%).
O que é a Amazônia Legal?
A Amazônia Legal é uma divisão político-administrativa criada pela Lei nº 1.806, de 1953, com o objetivo de planejar o desenvolvimento econômico e social da região amazônica. Inicialmente, estava vinculada ao Plano de Valorização Econômica da Amazônia, conduzido pela extinta Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA). Em 1966, com a criação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), o conceito foi ampliado e consolidado.
Embora seja chamada de Amazônia, a região não é formada apenas pela Floresta Amazônica. A Amazônia Legal também inclui áreas de Cerrado, especialmente no Maranhão, Tocantins e Mato Grosso, e uma porção do Pantanal mato-grossense. Ao todo, são 772 municípios sob essa classificação, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Atualmente, a área abrange nove estados brasileiros: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso (todo o estado) e Maranhão (apenas a parte localizada a oeste do meridiano 44º). Juntos, esses estados somam 5.015.068 km², o equivalente a 59% do território nacional.
Apesar da riqueza ambiental e cultural, a região enfrenta problemas históricos de desigualdade social, baixa presença do Estado e atividades ilegais, como garimpo, desmatamento, grilagem de terras e tráfico em áreas de fronteira. Essas fragilidades sociais e territoriais se refletem em indicadores críticos, como altos índices de violência, pobreza e falta de acesso a serviços básicos.
Políticas públicas
A Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2188/25, que amplia o uso de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública. Pela proposta, o fundo poderá financiar ações específicas de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, além de medidas de acolhimento e apoio às vítimas. O texto ainda precisa ser analisado pelas demais comissões da Câmara antes de seguir para votação em plenário.
Como denunciar
Casos de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes podem ser denunciados pelo Disque 100, serviço nacional e gratuito que funciona 24 horas por dia, inclusive nos fins de semana e feriados. As denúncias também podem ser registradas diretamente no Conselho Tutelar mais próximo ou em delegacias especializadas, como a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA).
Por: Laís Queiroz | Revisão: Daniela Gentil
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