Durante a abertura da Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, realizada hoje, dia 3 de julho de 2025, em Buenos Aires, na Argentina, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou uma agenda ousada, que reflete as prioridades de sua gestão: o combate às mudanças climáticas, a defesa de uma transição energética justa, a valorização das moedas locais nas trocas comerciais entre os países do bloco e o fortalecimento da soberania econômica e digital da América do Sul.
Compromissos ambientais e transição energética
O evento marcou a passagem da presidência rotativa do Mercosul para o Brasil, e Lula aproveitou o momento para reafirmar o compromisso do país com o desenvolvimento sustentável e com uma maior integração regional. No discurso, ele destacou que o Brasil pretende reduzir entre 59% e 67% suas emissões de gases do efeito estufa até o ano de 2035. O plano, segundo o presidente, abrange todos os setores econômicos e será implementado de maneira coordenada, com forte investimento em tecnologia e inovação.
“As consequências do aquecimento global já se fazem sentir na região, que sofre com estiagens e enchentes que causam perdas humanas, destruição de infraestrutura e quebras de safra. A realidade está se movendo mais rápido que o Acordo de Paris”, afirmou Lula, alertando que os países do hemisfério sul já enfrentam os impactos diretos da crise climática.
Segundo o presidente, a América do Sul deve deixar de ser vista apenas como exportadora de commodities e se tornar uma liderança mundial na construção de soluções sustentáveis, com base em suas potencialidades naturais e tecnológicas. Ele ressaltou que o continente tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, o que pode ser um diferencial competitivo nos próximos anos.
“O Brasil reduzirá suas emissões entre 59% e 67% até 2035, em todos os setores econômicos. Na COP 30, em Belém, teremos a chance de mostrar ao mundo as soluções que vêm da América do Sul. Por meio do programa Mercosul Verde, vamos fortalecer nossa agricultura sustentável e promover inovações tecnológicas para atrair investimentos em prol de uma transição justa. A América do Sul tem tudo para ser o coração deste processo. Já temos matrizes energéticas mais limpas do que outras regiões”, afirmou.
Valorização das moedas locais e integração regional
Lula também fez um chamado à responsabilidade coletiva dos países do bloco para que avancem em uma nova agenda de desenvolvimento, baseada em crescimento com justiça social, inclusão produtiva, transição verde e soberania regional. Nesse sentido, defendeu o uso de moedas locais nas trocas comerciais entre os países do Mercosul, como forma de reduzir a dependência do dólar e dos sistemas financeiros tradicionais.
“O uso de moedas locais no comércio intra-bloco reduz nossa dependência do dólar, barateia as transações e fortalece nossas economias. Precisamos dar esse passo com coragem e visão estratégica”, declarou o presidente, provocando reações positivas entre os representantes de Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia, este último, o novo integrante formalizado do bloco.
Avanços diplomáticos e novos acordos comerciais
Durante a cúpula, o Mercosul também celebrou avanços significativos em sua agenda de integração internacional. O bloco sul-americano concluiu as negociações de um acordo de livre comércio com o Efta — formado por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein — e também finalizou as tratativas com a União Europeia. Ambos os acordos ainda aguardam a assinatura definitiva, mas foram consideradas vitórias diplomáticas importantes.
Lula afirmou que, após os acordos com a Europa, o Mercosul deve voltar seus olhos para o continente asiático, buscando maior aproximação com economias como as do Vietnã, da Indonésia, da Índia e da China. Também mencionou a necessidade de avançar em entendimentos comerciais com países como Canadá, Emirados Árabes Unidos e Panamá.
“Temos que diversificar nossos parceiros comerciais. A Ásia está em expansão, e não podemos ficar de fora. O Mercosul precisa ter uma estratégia de inserção internacional mais agressiva, sempre valorizando nossos interesses e protegendo nossas indústrias e empregos”, disse.
Industrialização de minerais estratégicos
Um dos trechos mais marcantes do discurso foi a defesa do beneficiamento local de minerais estratégicos. Lula ressaltou que os países da América do Sul não podem continuar exportando apenas matéria-prima, sem agregar valor às suas cadeias produtivas. Ele propôs que os minerais críticos extraídos no continente — como lítio, nióbio, grafite e terras raras — passem a ser processados na região, gerando empregos qualificados e promovendo transferência de tecnologia.
“A extração de nossos recursos naturais precisa vir acompanhada de industrialização e inovação. Chega de exportarmos apenas matérias-primas. Queremos desenvolver a nossa indústria e garantir que a riqueza fique aqui. Isso é fundamental para romper com a dependência e garantir mais autonomia aos nossos países.”
Soberania digital: instalação de data centers na América do Sul
Além disso, Lula tocou em um tema considerado estratégico: a instalação de centros de processamento de dados (data centers) em solo sul-americano. Segundo ele, essa medida é vital para garantir a “soberania digital” dos países do bloco e fortalecer a economia digital regional, hoje ainda altamente dependente de servidores localizados nos Estados Unidos e na Europa.
“Instalar data centers aqui não é apenas uma questão econômica, é uma questão de soberania digital. Nossos dados precisam estar protegidos e gerar desenvolvimento para nossa gente. Não podemos mais aceitar que toda a inteligência digital que circula no continente passe por outros continentes antes de voltar para nós.”
Encerramento: Mercosul como liderança global
Com uma visão estratégica e integradora, Lula encerrou sua participação na cúpula reforçando que a América do Sul tem potencial não apenas para ser uma fornecedora de insumos e alimentos para o mundo, mas também uma líder em soluções verdes, digitais e sociais. Segundo ele, o Mercosul precisa estar à altura desses desafios, com decisões ousadas e união política entre os governos.
“Precisamos de um Mercosul forte, unido e estratégico. Só assim garantiremos desenvolvimento com justiça social e sustentabilidade para as futuras gerações. Nosso compromisso é com o futuro, mas ele começa agora — e começa aqui.”
A reunião de cúpula terminou marcada não apenas por avanços diplomáticos, mas também por uma mudança no tom político do bloco, que parece cada vez mais disposto a assumir um papel protagonista em temas globais, como clima, energia, economia e soberania digital.
Por Alemax Melo | Revisão: Daniela Gentil
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