A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou, nesta terça-feira (18/11), maioria para condenar nove dos dez réus do chamado núcleo 3 grupo, acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de integrar uma articulação golpista após as eleições presidenciais de 2022. O núcleo reunia militares das Forças Especiais do Exército, conhecidos como “kids pretos”, além de um agente da Polícia Federal.
A formação da maioria ocorreu após o voto da ministra Cármen Lúcia, que acompanhou integralmente o relator Alexandre de Moraes. Assim como Moraes, ela votou pela condenação de nove investigados, com exceção do general da reserva Estevam Theophilo, único absolvido pelo colegiado até o momento.
O julgamento marca mais um capítulo da investigação que apura supostos planos de ruptura institucional, incluindo o assassinato de autoridades como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o próprio ministro Alexandre de Moraes.
O voto de Alexandre de Moraes: absolvição inédita e condenações duras
Durante a sessão, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, surpreendeu ao apresentar o primeiro voto pela absolvição completa de um investigado desde o início dos julgamentos relacionados à tentativa de golpe. Segundo o ministro, as únicas provas que ainda sustentavam a denúncia contra o general Estevam Theophilo derivam exclusivamente da delação premiada de Mauro Cid, elemento que, de acordo com o relator, causa “dúvida razoável”, impedindo a condenação.
Ao mesmo tempo, Moraes reforçou que há provas robustas contra os demais nove acusados. Para ele, ficou evidente que o grupo atuou na disseminação de narrativas falsas sobre fraude eleitoral, especialmente entre o primeiro e o segundo turno, criando um ambiente favorável à ruptura institucional.
Segundo o ministro, o núcleo 3 buscou cooptar militares, planejar ações armadas e até organizar um gabinete de crise que operaria após a consumação do golpe.
Condenações diferenciadas para dois réus
Os militares Márcio Nunes de Rezende Júnior e Ronald Ferreira de Araújo tiveram uma decisão distinta. Moraes votou pela condenação de ambos apenas pelos crimes de incitação ao crime e associação criminosa, desclassificando acusações mais graves como golpe de Estado e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
De acordo com o ministro, não há provas suficientes que incluam a dupla diretamente ao núcleo operacional do golpe. No entanto, Moraes afirmou que ambos incentivaram a animosidade contra as Forças Armadas e participaram de movimentos de tensionamento institucional.
Por envolverem crimes de menor potencial ofensivo, esses dois réus poderão, caso admitam a conduta, fazer acordo de não persecução penal com a PGR.
Os crimes atribuídos aos demais réus
Para os outros sete investigados, o STF reconheceu a participação direta no suposto plano golpista. Eles foram condenados por uma combinação de crimes:
- Organização criminosa armada
- Golpe de Estado
- Tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito
- Dano qualificado ao patrimônio da União
- Deterioração do patrimônio público
Segundo as investigações, esses réus teriam participado de reuniões estratégicas, redigido documentos operacionais, monitorado ministros e organizado planos para pressionar a cúpula das Forças Armadas.
Quem são os réus do núcleo 3 e o que diz a PGR
Bernardo Corrêa Netto – Coronel do Exército
É acusado de pressionar o então comandante do Exército para apoiar o golpe e de organizar encontros entre integrantes das Forças Especiais. Também incentivou a divulgação de uma carta tentando influenciar a alta cúpula militar.
Estevam Theophilo – General da reserva (único absolvido)
Segundo a PGR, teria incentivado Bolsonaro a assinar um decreto de ruptura e se disposto a coordenar ações militares. Moraes, porém, entendeu que restaram apenas provas oriundas da delação de Mauro Cid, insuficientes para a condenação.
Fabrício Moreira de Bastos – Coronel do Exército
Participou de reuniões estratégicas dos “kids pretos” e elaborou o documento “Ideias Força”, que orientaria ações de adesão interna no Exército e movimentos de desinformação.
Hélio Ferreira Lima – Tenente-coronel
Apontado como autor da “Operação Luneta”, plano que detalha fases do golpe, incluindo prisão de ministros e controle institucional. Também teria monitorado Moraes.
Márcio Nunes de Rezende Júnior – Coronel
Cedeu prédio para reuniões golpistas e tentou influenciar superiores. Será condenado apenas por incitação e associação criminosa.
Rafael Martins de Oliveira – Tenente-coronel
Coidealizador da operação “Copa 2022”, que previa o sequestro e assassinato de Alexandre de Moraes. Gerenciava recursos financeiros para execução do plano.
Rodrigo Bezerra de Azevedo – Tenente-coronel
Também teria participado da operação “Copa 2022”, utilizando aparelhos clandestinos e técnicas de anonimização para monitorar Moraes.
Ronald Ferreira de Araújo – Tenente-coronel
Assinou carta pressionando o comandante do Exército. Será condenado apenas por incitação e associação criminosa.
Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros – Tenente-coronel
Atuou na disseminação da carta de pressão e buscou enfraquecer autoridades militares, mesmo sabendo que alegações de fraude eram falsas.
Wladimir Matos Soares – Agente da Polícia Federal
Terá papel considerado central no plano: segundo a PGR, forneceu informações estratégicas sobre a segurança da posse presidencial e participaria da etapa de assassinato de autoridades para gerar caos social.
Como operava o núcleo 3, segundo a PGR
A Procuradoria-Geral da República descreveu o núcleo como o setor mais operacional do suposto plano golpista. A função do grupo seria articular:
- Operações de desinformação
- Monitoramento clandestino de ministros
- Tentativas de cooptação de militares da ativa
- Produção de documentos que fundamentassem o golpe
- Planejamento de assassinatos de autoridades
A estratégia, segundo as investigações, envolvia criar um ambiente de instabilidade pública, mobilizar setores armados e justificar uma intervenção sob a narrativa de fraude eleitoral.
Avanço do julgamento e próximos passos
Com a formação da maioria, o resultado final deve ser proclamado após a conclusão dos votos pendentes e eventuais manifestações complementares. Depois disso, o STF deve definir as penas individualizadas, que variam conforme a gravidade das imputações.
As condenações configuram um dos marcos mais importantes das investigações sobre a tentativa de golpe após as eleições de 2022 e consolidam a tese de que o grupo atuou de forma organizada, estruturada e politicamente motivada.
Se confirmadas, as sentenças deverão gerar repercussões diretas nas Forças Armadas, na Polícia Federal e no debate público sobre responsabilização em casos de ataque ao Estado Democrático de Direito.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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