Inspirado em plataformas de aprendizado de idiomas como o Duolingo, um grupo de pesquisadores do Brasil e da Alemanha está desenvolvendo um aplicativo gratuito para revitalizar línguas indígenas em risco de extinção. O projeto, provisoriamente chamado de BILingo (Brazilian Indigenous Languages), já começou a ser testado com comunidades bororo, no Mato Grosso, e makurap, em Rondônia.
A proposta é tornar o aprendizado mais leve e envolvente por meio da gamificação. Os usuários terão acesso a exercícios com vocabulário, frases, áudios e registros culturais produzidos diretamente pelas próprias comunidades. “Nós oferecemos o layout, e o conteúdo quem cria são elas”, explica o pesquisador Fabrício Gerardi, da Universidade de Tübingen, na Alemanha.
Idealizado em parceria com Gustavo Polleti, da USP, o projeto não tem fins comerciais. Para alimentar a plataforma, são utilizadas diferentes fontes: falantes nativos, gravações antigas, pesquisas acadêmicas e até materiais produzidos por missionários. A inteligência artificial ajuda a organizar esse acervo e preencher lacunas que poderiam se perder no tempo.
Entre os que enxergam na iniciativa uma oportunidade de reconexão está Jéssica Makurap, 24 anos, que busca retomar a língua de seu povo após ter crescido falando apenas português. “Vai ajudar muito no nosso aprendizado. Como eu não aprendi antes, estou tentando aprender algumas palavras e frases agora”, contou.
No caso dos bororo, o acervo é robusto: já foram digitalizadas 60 mil frases, além de cantos, mitos e rituais. Para o professor indígena Mariel Kujiboekureu, o aplicativo representa também um gesto de reparação cultural. “A maioria na comunidade não fala mais a língua indígena. Houve uma ruptura. Estamos lutando por essa língua e precisamos de parceiros.”
Línguas indígenas em risco de extinção
A urgência é evidente. Segundo a Unesco, cerca de 40% das 7 mil línguas existentes no mundo estão ameaçadas de desaparecer, a maioria delas indígenas. No Brasil, o censo de 2010 registrou 274 línguas em uso, número distante das aproximadamente 1,2 mil que existiam antes da colonização.
Para ampliar o alcance, os pesquisadores planejam lançar também uma versão offline, voltada a comunidades com acesso precário à internet. Ainda assim, há preocupações éticas: é preciso garantir que as comunidades mantenham autonomia na produção do conteúdo e evitar que a tecnologia seja usada de forma extrativista.
O BILingo faz parte de um movimento mais amplo de preservação linguística. Em julho, a Funai passou a integrar a Coalizão para a Diversidade Linguística em Inteligência Artificial, iniciativa internacional coordenada pela Unesco para orientar o uso da tecnologia na proteção de idiomas minoritários.
Por: João Vitor Mendes | Revisão: Laís Queiroz
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