A Fast Shop, uma das redes mais tradicionais do varejo brasileiro de eletrodomésticos e eletrônicos, anunciou o fechamento de 11 lojas e de um centro de distribuição como parte de um processo de reestruturação interna. A decisão vem em meio às investigações da chamada “máfia do ICMS”, esquema de corrupção que envolvia fiscais da Secretaria da Fazenda de São Paulo e grandes empresas do setor.
De acordo com o Ministério Público de São Paulo (MPSP), a varejista teria participado de um esquema de pagamento de propinas em troca de benefícios na liberação de créditos de ICMS-ST o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços com substituição tributária, um mecanismo que antecipa o recolhimento do tributo por uma única empresa em toda a cadeia produtiva.
Atualmente, a Fast Shop conta com cerca de 80 unidades em operação pelo país, incluindo suas bandeiras M1 e A2You, esta última voltada à revenda de produtos da Apple. A reestruturação, segundo a empresa, faz parte de um “plano estratégico de longo prazo”, mas o anúncio ocorre em um momento de forte desgaste da marca por conta das denúncias.
Fechamentos escalonados
O cronograma de encerramentos começou nesta terça-feira (8), com o fechamento das lojas localizadas nos shoppings Aricanduva, Boulevard Tatuapé e Interlagos, em São Paulo, além da A2You do Shopping Barigui, em Curitiba (PR).
No dia 12 de outubro, será a vez das unidades dos shoppings Iguatemi (Salvador) e RioMar (Fortaleza), do centro de distribuição em Fortaleza e de outras três lojas paulistas M1 Itaquera, M1 SP Market e Fast Shop SP Market encerrarem as atividades.
O processo deve ser concluído em 31 de outubro, com o fechamento da Fast Shop Barra Salvador e da M1 Litoral Plaza, em Praia Grande (SP).
A empresa informou, em nota, que as demais lojas seguem funcionando normalmente e que a reavaliação faz parte de uma estratégia de otimização operacional.
“A decisão faz parte de um processo de reestruturação já planejado pela companhia, com foco em eficiência e sustentabilidade de longo prazo. As demais lojas seguem com funcionamento normal”, informou a Fast Shop.
Escândalo e acordos com o Ministério Público
As investigações do MPSP apontam que auditores fiscais paulistas recebiam propinas milionárias para liberar créditos tributários indevidos. O esquema, batizado de Operação Ícaro, foi deflagrado em agosto de 2025 e já identificou mais de R$ 1 bilhão movimentados de forma irregular.
Segundo as autoridades, o principal articulador seria Artur Gomes da Silva Neto, ex-diretor de fiscalização da Secretaria da Fazenda paulista, acusado de liderar um grupo que manipulava valores para beneficiar empresas mediante pagamento de propina.
Entre os investigados, estavam nomes conhecidos do setor empresarial. O dono da Ultrafarma, Sidney Oliveira, e o diretor da Fast Shop, Mário Otávio Gomes, foram presos preventivamente durante a primeira fase da operação, mas foram liberados cinco dias depois, após firmarem acordos judiciais.
A Fast Shop, por sua vez, celebrou acordos de não persecução penal (ANPPs) com o MPSP, reconhecendo a participação de alguns de seus executivos no esquema. Como parte do compromisso, a companhia deve pagar R$ 100 milhões em multas, parcelados em 15 prestações, além de implementar um programa robusto de compliance e governança interna.
Fontes ligadas à investigação afirmam que o Ministério Público optou por priorizar a recuperação de valores e o fortalecimento dos mecanismos de controle interno, em vez de levar a empresa a um processo criminal que poderia comprometer milhares de empregos e a operação nacional da rede.
Reestruturação e sobrevivência
Em meio ao escândalo, a Fast Shop tenta manter sua imagem de solidez e eficiência no varejo. A empresa, que atua há quase 40 anos no mercado, destacou que as medidas fazem parte de um plano de longo prazo e não estão diretamente ligadas ao caso do ICMS.
“A liderança da Fast Shop está sempre em busca de melhorias contínuas para ampliar a eficiência operacional da companhia. Neste sentido, a empresa reavalia constantemente sua estrutura e operação inclusive de lojas físicas, com a priorização de pontos de venda que estejam alinhados à sua estratégia”, afirmou a companhia em nota.
A rede também reforçou que o comércio eletrônico segue operando normalmente e que continuará investindo em tecnologia, atendimento personalizado e integração entre o varejo físico e digital.
O setor, no entanto, avalia que a empresa enfrenta um dos momentos mais delicados de sua história. A concorrência crescente de marketplaces e a pressão de custos em um cenário de juros altos já vinham afetando os resultados da Fast Shop antes mesmo das investigações.
Para especialistas, o caso evidencia a necessidade de maior transparência na relação entre empresas e o poder público. “A substituição tributária é um dos mecanismos mais complexos do sistema brasileiro.Quando há brechas, surgem oportunidades de corrupção que distorcem o mercado e prejudicam quem atua de forma correta”, explica o advogado tributarista Fábio Queiroz, ouvido pela reportagem.
Impactos no varejo e no mercado de trabalho
Os fechamentos devem afetar diretamente cerca de 400 funcionários, entre vendedores, gerentes e equipes de apoio. A Fast Shop não detalhou se haverá um plano de realocação ou indenização especial para os colaboradores das lojas encerradas.
Entidades de trabalhadores do comércio em São Paulo e na Bahia informaram que estão acompanhando o caso e pretendem acionar o Ministério do Trabalho caso ocorram demissões sem a devida negociação.
Apesar das dificuldades, a empresa ainda mantém presença expressiva nos principais shoppings do país e é considerada uma das redes de maior valor agregado no segmento de eletrônicos premium.
A Operação Ícaro
A Operação Ícaro teve início após um cruzamento de dados da Receita Estadual e do Ministério Público, que detectou ressarcimentos de ICMS acima dos valores devidos. Segundo os promotores, auditores fiscais manipulavam o sistema de controle tributário para gerar créditos fictícios, cobrando propina das empresas beneficiadas.
As apurações apontam que parte do dinheiro era movimentada por meio de contratos simulados de consultoria e repassada a servidores públicos e intermediários.
Além da Fast Shop e da Ultrafarma, outras grandes redes varejistas também são investigadas. O MPSP informou que novas fases da operação estão previstas até o fim do ano, com o objetivo de identificar “beneficiários secundários” e eventuais operadores financeiros.
Perspectiva
Enquanto tenta virar a página do escândalo, a Fast Shop aposta na recuperação da confiança do consumidor e na força de sua marca. A empresa destaca que “mantém seu compromisso de oferecer uma experiência de compra diferenciada, seja nas lojas físicas ou no e-commerce”, e que segue “fiel à sua missão de encantar clientes e parceiros”.
Com quase quatro décadas de atuação, a rede agora enfrenta o desafio de provar que a reestruturação é mais do que uma resposta a um momento de crise é uma tentativa de sobrevivência em um mercado cada vez mais competitivo e sob o olhar atento das autoridades.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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