O número de povos e de línguas indígenas no Brasil cresceu de forma significativa na última década, segundo dados do Censo Demográfico 2022 divulgados na última sexta-feira (24) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) durante evento na Unicamp, em Campinas (SP). O país passou de 305 para 391 etnias indígenas, um aumento de 28% em relação ao levantamento de 2010. Já o número de línguas indígenas faladas subiu de 274 para 295.
O total da população indígena também apresentou crescimento expressivo, passando de 896.917 para 1.694.836 pessoas. Destas, cerca de 1,2 milhão declararam sua etnia, segundo o IBGE.
De acordo com a diretora de Pesquisas do instituto, Marta Antunes, o aumento se deve a uma combinação de fatores: aprimoramentos na metodologia de coleta de dados, mudanças no reconhecimento de etnias e um movimento crescente de autoafirmação étnica entre os povos indígenas.
“Por conta do racismo histórico no Brasil, muitas vezes a condição de indígena era escondida ou disfarçada, mas nesta última década podemos ver o processo inverso, uma afirmação étnica, seja de quem vive em áreas urbanas ou rurais, dentro ou fora de territórios indígenas”, explicou Antunes.
Segundo pesquisa, o levantamento de 2022 identificou 75 novas etnias, não por descoberta de povos isolados, mas por reafirmação identitária de grupos que haviam deixado de se declarar como indígenas.“São, principalmente, povos que tinham parado de afirmar seu etnônimo, que estavam diluídos e, aos poucos, estão recuperando sua trajetória, sua ancestralidade e se reconectando com sua parentalidade”, disse Marta.
Distribuição e diversidade regional
O estado de São Paulo é o que reúne o maior número de etnias, com 271 grupos, seguido por Amazonas (259) e Bahia (233). Entre os municípios, a capital paulista lidera com 194 etnias, à frente de Manaus (186), Rio de Janeiro (176), Brasília (167) e Salvador (142).
Fora das capitais, destacam-se Campinas (SP), com 96 etnias, Santarém (PA), com 87, e Iranduba (AM), com 77.
“Campinas é um polo de atração para estudantes indígenas, especialmente na Unicamp e em outras universidades do entorno. Além disso, há migrações temporárias e definitivas de grupos em busca de trabalho, o que amplia a presença e a fixação de etnias na região”, afirmou Marta Antunes.
A pesquisa mostra que o aumento da diversidade ocorreu em quase todos os estados brasileiros, com exceção do Amapá, que registrou redução de cinco para três etnias declaradas entre 2010 e 2022.
Etinias Idígenas em Números
- Tikúna — 74.061 pessoas
- Kokama — 64.327
- Makuxí — 53.446
- Guarani Kaiowá — 50.034
- Kaingang — 45.840
- Terena — 44.667
- Pataxó — 39.276
- Guajajara — 38.244
- Potiguara — 37.292
- Múra — 36.347
A pesquisadora destaca também a influência das etnias transfronteiriças, grupos que transitam entre países vizinhos como Colômbia, Venezuela e Peru. Segundo o IBGE, oito novas etnias foram incluídas a partir da desagregação de populações que antes eram agrupadas sob a denominação “etnias de outros países”.
Novas etnias e línguas reconhecidas
Entre as 75 novas etnias registradas pelo Censo 2022 estão Akroá-Gamela, Arara da Volta Grande do Xingu, Embera, Fulkaxó, Kariri-Quixelô, Kumaruara, Pankaiuká, Tuxi, Wayuu e Yucuna, entre outras.
O levantamento também identificou 21 línguas declaradas pela primeira vez, como Akuriyó, Faruk’woto, Kamakã, Kreepyn-Katejê, Maytapu, Wayuu, Tanimuka e Língua de Sinais Kiriri. Além disso, o IBGE desagregou idiomas que antes apareciam agrupados, ampliando o registro da diversidade linguística indígena.
Desafios persistem
Apesar dos avanços no reconhecimento e na representatividade, o Censo também revelou desigualdades. Entre as etnias com maior número de crianças sem registro de nascimento, estão os Yanomami/Yanomán, com 3.288 crianças (65,54%), seguidos pelos Sanumá (97,34%) e Makuxi (7,89%).
O levantamento também traz informações sobre esgotamento sanitário, coleta de lixo, alfabetização e condições de vida em territórios indígenas, reforçando a necessidade de políticas públicas voltadas à inclusão e proteção desses povos.
Para o IBGE, os dados de 2022 evidenciam um renascimento identitário e um avanço na visibilidade indígena. “O Censo mostra que os povos indígenas estão cada vez mais presentes e ativos na reconstrução de suas histórias e línguas”, concluiu Marta Antunes.
O resultado marca um momento histórico para o Brasil, um país que, segundo o próprio IBGE, fala hoje quase 300 línguas indígenas e abriga 391 povos que seguem resistindo, se afirmando e reivindicando seu lugar na sociedade e na história nacional.
Por João Vitor Mendes | Revisão: Laís Queiroz
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