Audiência na CCJ e depoimentos
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados realizou ontem, quarta-feira (10) uma audiência por videoconferência para discutir o processo de cassação da deputada licenciada Carla Zambelli (PL-SP). Zambelli, que está presa na Itália desde 29 de julho, participou remotamente da sessão, enquanto o hacker Walter Delgatti Neto, condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), depôs do presídio de Tremembé (SP).
Delgatti ganhou notoriedade após invadir o aplicativo de mensagens do ex-procurador Deltan Dallagnol durante a Operação Lava Jato, gerando vazamentos que levantaram questionamentos sobre a imparcialidade do ex-juiz Sergio Moro. Durante a audiência, Delgatti afirmou que Zambelli o teria contratado para invadir o sistema do CNJ e inserir um mandado de prisão falso contra o ministro do STF Alexandre de Moraes.
Zambelli tentou descredibilizar o hacker ao citar contradições em seus depoimentos: “O senhor disse que foi cinco vezes ao Ministério da Defesa. E aí o ministro da Defesa te desmentiu dizendo que não te recebeu. A gente acredita em quem? Em um hacker ou no ministro da Defesa?”, questionou.
Delgatti rebateu de forma irônica: “Ambos são réus”
A deputada insistiu, destacando a posição do ex-ministro como general de quatro estrelas: “Aí fica para quem estiver ouvindo decidir em quem acreditar: em você ou em um ministro da Defesa, que disse que não te recebeu nenhuma vez.”
O embate se estendeu quando Delgatti reafirmou que permaneceu cerca de 20 dias no apartamento funcional de Zambelli em Brasília. A parlamentar negou: “Você passou algumas horas lá. Quem quiser acreditar em mim, acredita. Esse processo é baseado em acreditar no Walter ou na Carla.”
O hacker retrucou: “Ou então nas câmeras. Em seu apartamento tem câmeras”. Zambelli devolveu: “Então vamos pegar as câmeras, porque 20 dias você não passou lá nem que a vaca tussa e nem que o céu abrisse agora no meio. O senhor nunca passou 20 dias lá, apenas algumas horas, inclusive com o seu advogado ao lado.”
Repercussão política e reações dos parlamentares
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), inicialmente indicou que a cassação seria homologada prontamente pela Mesa Diretora; no entanto, recuou diante das pressões internas e encaminhou o caso para análise da CCJ.
No início dos trabalhos, Paulo Azi (União Brasil-BA), presidente da CCJ, pediu respeito nas interações entre os deputados. Contudo, as discussões se intensificaram entre parlamentares das alas esquerda e bolsonarista.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) criticou a decisão da CCJ em ouvir uma parlamentar já condenada e foragida. Por outro lado, Fernanda Melchionna (PSOL-RS) classificou as testemunhas apresentadas por Zambelli como meras tentativas protelatórias.
Bia Kicis (PL-DF) respondeu às críticas afirmando que as deputadas opositoras estavam negando à Zambelli seu direito à defesa. Em um momento emotivo durante a sessão, Kicis assegurou à deputada que a direita não havia abandonado sua causa.
Próximos passos e depoimentos previstos
O relator do caso na CCJ, deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), afirmou que a sessão foi inédita e destacou a importância dos depoimentos para o andamento do processo. Após a fase de oitivas, ele apresentará parecer sobre a cassação, que será votado na comissão e, posteriormente, pelo plenário da Câmara.
Além de Delgatti, outros depoimentos estão previstos para as próximas semanas, incluindo o do perito Michel Spiero, especialista em provas digitais. A própria Zambelli poderá ser novamente convocada para depor.
Vários nomes sugeridos como testemunhas pela deputada não foram aceitos, incluindo o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e os delegados Flávio Vieitez Reis e Felipe Monteiro de Andrade.
A situação provocou divisões dentro do próprio PL. Enquanto alguns membros acreditam na possibilidade de relatório favorável à manutenção de seu mandato, outros destacam que, mesmo sem extradição imediata, Zambelli poderá ter dificuldades para exercer suas funções legislativas diretamente da Itália.
Contexto da prisão e extradição
Zambelli está na Itália desde 5 de junho e aguarda decisões sobre seu processo de extradição ao Brasil, que pode se estender devido à sua cidadania italiana. A deputada foi condenada pelo STF a mais de 10 anos de prisão pelo ministro Alexandre de Moraes, motivando sua inclusão na lista da Interpol e prisão em território italiano.
Rotina alimentar e aparência física
Além dos aspectos legais e políticos, a atenção também se voltou para a rotina alimentar da deputada. Zambelli relatou à fonte que, apesar de saber que não está em um hotel, considera que a alimentação do presídio, em um país conhecido por sua culinária rica, está muito abaixo do esperado. Segundo ela, a comida é insuficiente e tem se alimentado muito pouco, o que ajuda a explicar sua aparência magra observada durante a audiência.
Ainda de acordo com a fonte, o marido de Zambelli, coronel Antônio Aguinaldo de Oliveira, que está em Roma, tentou levar alimentos prontos para a deputada, mas não foi autorizado pela administração do presídio, dificultando a complementação da alimentação com produtos externos.
Conclusão
Diante desse xadrez político, o que se sabe é que o processo de extradição de Carla Zambelli e a tramitação de seu mandato político no Brasil ainda vão render muito. Não faltam reações políticas: há divisões dentro da ala bolsonarista sobre o caso, desaprovação de parte da direita, firmeza na busca pela aplicação da pena e pressão da esquerda pela manutenção da condenação e perda do mandato.
Ao mesmo tempo, o andamento do processo depende da atuação do Estado italiano na extradição da parlamentar licenciada. Não resta dúvida: trata-se de um processo longo, complexo, envolvendo múltiplas peças nesse grande jogo de xadrez político que movimenta Brasília e Roma.
Por David Gonçalves, correspondente MD News na Itália | Revisão: Daniela Gentil
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