A Dinamarca anunciou nesta sexta-feira (7) uma decisão histórica: o país vai proibir o uso de redes sociais por crianças menores de 15 anos. A medida, considerada uma das mais rígidas do mundo ocidental no campo da regulação digital, tem como principal objetivo proteger a infância e o bem-estar psicológico dos jovens, em um cenário de crescente preocupação com os efeitos das plataformas sobre a saúde mental.
A determinação foi apresentada pelo governo dinamarquês após um amplo debate público e político iniciado no mês passado, quando a primeira-ministra Mette Frederiksen fez um apelo contundente no Parlamento. Em seu discurso, ela defendeu a necessidade urgente de impor limites às redes sociais, citando o aumento de casos de ansiedade, depressão e isolamento entre adolescentes.
“As chamadas redes sociais prosperam roubando o tempo, a infância e o bem-estar de nossas crianças, e estamos colocando um fim nisso agora”, declarou Caroline Stage Olsen, ministra da Digitalização, ao anunciar a proposta oficial.
Pais ainda poderão autorizar o acesso a partir dos 13 anos
Embora a nova regulamentação estabeleça a proibição para menores de 15 anos, o governo permitirá que pais ou responsáveis concedam autorização para que jovens com 13 e 14 anos acessem determinadas plataformas, desde que sob supervisão e com perfis devidamente identificados. Essa concessão busca equilibrar o direito à convivência digital com a necessidade de proteger os menores de conteúdos nocivos e práticas abusivas.
O governo ressaltou que as plataformas mais utilizadas por crianças e adolescentes dinamarqueses Snapchat, YouTube, Instagram e TikTok estão no centro das preocupações. Essas redes, segundo as autoridades, utilizam mecanismos de recomendação e notificações projetados para prender a atenção do usuário, criando ciclos de dependência digital.
De acordo com um levantamento divulgado em fevereiro pela Autoridade Dinamarquesa de Concorrência e Consumo, os jovens do país passam em média 2 horas e 40 minutos por dia nas redes sociais, um número considerado alarmante pelos especialistas.
Reação do Parlamento e apoio político
A proposta deve ser votada nas próximas semanas, mas o governo já conta com o apoio da maioria dos partidos representados no Folketinget, o Parlamento dinamarquês. Tanto legendas progressistas quanto conservadoras expressaram apoio à medida, reconhecendo o impacto negativo das redes sociais sobre o desenvolvimento infantil e a vida familiar.
O consenso político reflete um movimento global de preocupação com o papel das big techs na formação de hábitos, comportamentos e valores entre as novas gerações. “Não se trata de demonizar a tecnologia, mas de reconhecer que ela foi desenhada para explorar vulnerabilidades humanas”, declarou Morten Dahl, deputado do Partido Social Liberal. “A Dinamarca está dizendo que a infância deve ser protegida, não monetizada.”
Comparações internacionais e o exemplo australiano
A Dinamarca segue o exemplo da Austrália, que em 2024 implementou uma medida semelhante, proibindo o uso de redes sociais por menores de 16 anos. O governo australiano também citou preocupações com o vício digital e os efeitos das plataformas na autoestima e na saúde emocional dos jovens.
Nos Estados Unidos, debates semelhantes têm avançado em nível estadual. Utah e Arkansas, por exemplo, já aprovaram leis que exigem consentimento parental para menores de 18 anos criarem contas em redes sociais. Na França, discute-se um modelo próximo ao dinamarquês, com restrições para menores de 15 anos e responsabilização direta das empresas por violações.
Essas iniciativas fazem parte de uma onda global de regulamentações que buscam reequilibrar o poder entre famílias, governos e as grandes plataformas de tecnologia empresas que, até recentemente, operavam quase sem restrições legais sobre o conteúdo destinado a crianças.
Impactos esperados e desafios de implementação
Apesar do apoio majoritário, especialistas alertam que a execução da medida exigirá mecanismos tecnológicos robustos de verificação de idade, capazes de impedir o acesso de menores sem violar a privacidade dos usuários. O governo dinamarquês informou que está trabalhando em parceria com instituições acadêmicas e órgãos de proteção de dados para desenvolver sistemas éticos e eficientes.
Além disso, as plataformas terão a obrigação de ajustar seus algoritmos e políticas internas para cumprir a nova legislação. Caso não o façam, poderão ser multadas e até bloqueadas temporariamente no território dinamarquês.
Especialistas apoiam decisão e alertam para riscos do vício digital
Pesquisadores e psicólogos dinamarqueses receberam positivamente o anúncio. Henrik Madsen, professor de psicologia da Universidade de Aarhus, afirmou que os efeitos das redes sobre o cérebro infantil são “profundamente preocupantes”.
“Os algoritmos são construídos para liberar dopamina, estimulando recompensas instantâneas. Isso cria dependência e prejudica o desenvolvimento emocional. Crianças e adolescentes acabam comparando suas vidas reais com realidades filtradas e inalcançáveis”, explicou Madsen.
Estudos recentes corroboram essa avaliação. Um relatório do Instituto de Saúde Pública da Dinamarca, publicado em 2023, revelou que um em cada quatro adolescentes relatou sintomas de ansiedade ou baixa autoestima diretamente relacionados ao uso de redes sociais. Entre as meninas de 13 a 15 anos, o índice chegou a 40%.
Reação das plataformas e da sociedade civil
Até o momento, empresas como Meta (dona do Facebook e Instagram), Google (YouTube) e ByteDance (TikTok) não se manifestaram oficialmente sobre a nova política dinamarquesa. No entanto, associações de tecnologia e grupos empresariais já expressaram preocupação com o impacto econômico e a viabilidade técnica da restrição.
Algumas organizações de pais e professores, por outro lado, elogiaram a decisão. A associação Famílias pela Infância Livre, criada em 2021, declarou que a medida “representa um passo civilizatório”. “Estamos cansados de ver nossos filhos trocarem o convívio e o brincar pela tela. A Dinamarca está mostrando liderança moral”, disse sua porta-voz, Anna Sorense.
Entre os adolescentes, a notícia gerou reações mistas. Em entrevistas a veículos locais, jovens de 13 e 14 anos afirmaram compreender os riscos, mas consideraram injusto perder acesso a espaços onde mantêm contato com amigos e expressam suas identidades.
Um novo modelo de proteção digital infantil
A iniciativa dinamarquesa está sendo vista por analistas como um marco regulatório de nova geração, que pode influenciar diretamente as políticas de proteção digital na Europa. A Comissão Europeia já estuda incluir diretrizes semelhantes em futuras revisões do Digital Services Act (DSA), legislação que regula o ambiente online no bloco.
Segundo especialistas, o desafio será equilibrar direitos digitais com a proteção da infância sem criar censura ou barreiras desproporcionais. A Dinamarca aposta em um modelo de corresponsabilidade, no qual famílias, escolas e plataformas terão papéis complementares na formação de uma relação mais saudável entre crianças e tecnologia.
A medida ainda passará por votação formal no Parlamento, mas já é considerada praticamente certa sua aprovação. Caso seja confirmada, entrará em vigor no início de 2026, após um período de transição para adaptação das empresas e das famílias.
Com essa decisão, a Dinamarca reafirma sua posição de vanguarda em políticas sociais e digitais, lançando um debate global sobre até que ponto a sociedade está disposta a permitir que a infância continue sendo moldada e explorada pelos algoritmos das redes sociais.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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