A Câmara dos Deputados aprovou, na noite da terça-feira (18), o texto-base do Projeto de Lei Antifacção, em uma votação expressiva que registrou 370 votos favoráveis e 110 contrários. O projeto considerado prioritário pelo governo federal endurece penas, cria novos mecanismos de combate às facções e redefine estratégias institucionais para enfrentar o crime organizado no Brasil.
A proposta, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi relatada pelo deputado Guilherme Derrite (PL-SP), que apresentou seis versões do texto em apenas dez dias. A versão final aprovada é fruto de uma rodada intensa de negociações entre Derrite e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que comandou pessoalmente os ajustes de última hora para garantir apoio maciço no plenário.
O avanço do PL ocorre em um momento de forte pressão pública por respostas ao crime organizado, especialmente após a megaoperação no Rio de Janeiro, que resultou na morte de 121 pessoas, incluindo quatro policiais, e se tornou a mais letal da história do estado. A ação ainda prendeu 99 suspeitos, mas não capturou alvos prioritários, entre eles Edgar Alves de Andrade, o “Doca”, apontado como uma das principais lideranças do Comando Vermelho.
Novo marco legal contra facções
O PL Antifacção atualiza a Lei de Organizações Criminosas ao introduzir, pela primeira vez, o conceito jurídico de ‘facção criminosa‘. O termo, embora amplamente usado pelas forças de segurança e pela imprensa, não tinha definição legal.
A partir da mudança, passa a ser possível:
- Aumentar penas para até 30 anos pela participação em facções, sobretudo quando houver domínio territorial por grupos armados ou milícias;
- Fortalecer a investigação policial, com ampliação do uso de técnicas como infiltração de agentes;
- Asfixiar financeiramente as facções, simplificando apreensão de bens, intervenção judicial em empresas de fachada e bloqueio de operações financeiras suspeitas.
O relator afirmou que o conjunto de medidas representa um “choque de institucionalidade”, permitindo que o Estado trate o crime organizado com instrumentos mais agressivos e modernos.
Disputa pelos bens apreendidos: ponto sensível
Um dos ajustes mais delicados do relatório envolveu a destinação dos bens apreendidos de facções criminosas. O texto aprovado apresenta:
- Se a investigação for da Polícia Federal, todo o dinheiro confiscado irá para o Fundo Nacional de Segurança Pública;
- Se a investigação for da Polícia Civil, os valores serão destinados ao fundo estadual de segurança correspondente.
A regra foi desenhada para evitar disputas administrativas e garantir que os recursos sejam reinvestidos diretamente em estruturas de combate ao crime organizado, um pedido recorrente de governadores e secretários de segurança.
Ação rápida de órgãos de controle
Outro ponto de destaque é a ampliação da autonomia de órgãos como:
- Receita Federal;
- Banco Central;
- Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Essas instituições poderão reter, apreender e confiscar bens de origem suspeita sem necessidade de decisão judicial prévia, desde que respeitados critérios legais e posterior validação pela Justiça.
A medida busca acelerar o bloqueio de valores de facções, evitando que o dinheiro seja dispersado enquanto o processo judicial corre.
Integração institucional como eixo central
O PL também garante a participação do Ministério Público em forças-tarefas criadas para investigar facções. A ampliação desse papel atende a uma demanda de procuradores e promotores, que argumentam que a atuação conjunta melhora o fluxo de informações e a eficiência das operações.
A integração entre instituições é vista como essencial para enfrentar organizações como PCC e Comando Vermelho, que atuam em múltiplos estados e possuem estruturas internas complexas.
Reações no plenário e próximos passos
Apesar da vitória larga, a oposição demonstrou preocupação com pontos considerados sensíveis, como:
- A amplitude da definição de facção criminosa;
- A possibilidade de excessos em ações administrativas sem ordem judicial;
- Risco de sobreposição de competências entre PF, Ministério Público e polícias estaduais.
Parlamentares favoráveis ao texto argumentaram que o país vive uma escalada de violência e que o Estado precisa de “instrumentos à altura das facções”, enquanto opositores defenderam cautela para evitar que a lei afete garantias constitucionais.
A Câmara ainda votará os destaques que podem alterar trechos do texto. Em seguida, o projeto segue para o Senado, onde poderá ser ajustado ou aprovado na íntegra. Após isso, será encaminhado para sanção presidencial.
Divisor de águas no combate às facções?
A aprovação do texto-base do PL Antifacção indica uma tentativa de reestruturação profunda do combate ao crime organizado no país. A criação de novos tipos penais, o endurecimento de penas e a reorganização do fluxo de recursos apreendidos sinalizam uma estratégia estatal centrada em sufocar facções tanto no campo financeiro quanto no domínio territorial.
Analistas apontam que o sucesso das medidas dependerá de implementação efetiva:
- Investimentos em tecnologia;
- Fortalecimento das polícias;
- Integração entre União e estados;
- Supervisão rigorosa para evitar abusos.
Caso seja bem executado, o PL pode representar um marco no enfrentamento às organizações criminosas. Caso contrário, corre o risco de se tornar mais um conjunto de boas intenções no papel.
Por Alemax Melo I Revisão: Pietra Gomes
LEIA TAMBÉM: Crime organizado já influencia a vida de quase 30 milhões de brasileiros, aponta pesquisa




