A Universidade de Caxias do Sul (UCS) decidiu manter a exposição Memorial Presidente Ernesto Geisel, instalada na biblioteca do Campus Universitário da Região dos Vinhedos (Carvi), em Bento Gonçalves. A posição foi formalizada em documento enviado ao Ministério Público Federal (MPF) na tarde desta quarta-feira (26), assinado pelo procurador-geral da Fundação Universidade de Caxias do Sul (FUCS), Maurício Gravina.

O acervo, inaugurado em 19 de novembro, havia sido alvo de recomendação do MPF na última sexta-feira (21). O órgão orientou que a universidade encerrasse ou retirasse o memorial, por entender que instituições públicas e comunitárias não devem manter homenagens que enalteçam agentes responsáveis por graves violações de direitos humanos. Geisel, natural de Bento Gonçalves, foi o quarto presidente da ditadura militar e governou o país entre 1974 e 1979. O MPF alertou que, em caso de descumprimento, a UCS poderia ser alvo de ação judicial.
Argumentos da UCS
No comunicado em que afirma que não irá retirar o memorial, a universidade sustenta que a exposição tem finalidade “estritamente educativa, historiográfica e de pesquisa”, sem promover apologia à ditadura militar ou a práticas de exceção. A instituição também afirma que a manutenção do espaço está amparada pela autonomia universitária e baseada em decisão técnica do corpo docente.
Entre os 41 pontos elencados no documento, a UCS argumenta ainda que, apesar das avaliações negativas sobre a figura do ex-presidente, é necessário “ouvir e respeitar as escolhas da comunidade local”. O texto cita que, em 2019, Bento Gonçalves inaugurou um primeiro memorial dedicado a Geisel, entendendo-o como um cidadão da cidade que chegou à Presidência da República. A universidade teria, portanto, atendido a um desejo da população ao receber e preservar o acervo, anteriormente armazenado em condições precárias.
“Desde a antiguidade, as cidades têm seus mitos, santos e heróis. Muitas levam o nome de personalidades históricas que, não raras vezes, ao lado de virtudes, tiveram notas de crueldade. Até que ponto é legítimo removê-las? Quem possui essa legitimidade?”, questiona o documento enviado ao MPF.
O memorial reúne fotografias, documentos, textos, itens pessoais e materiais sobre programas implementados durante a gestão de Geisel, como o Proálcool, que completa 50 anos em 2025. A visitação é aberta ao público, de segunda a sexta, na biblioteca do Carvi.
O que diz o MPF
A recomendação do MPF cita perseguições, mortes e desaparecimentos ocorridos durante o governo do general. Segundo o órgão, somente em 1974 foram registrados 54 desaparecimentos por motivação política. O documento também relembra os assassinatos de Manuel Herzog (1975) e Manuel Fiel Filho (1976), ambos mortos sob tortura nas dependências do II Exército, em São Paulo.
Os procuradores Enrico Rodrigues de Freitas e Fabiano de Moraes, da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) no Rio Grande do Sul, destacam ainda que, em 1975, dezenas de militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) foram presos e torturados, e alguns desapareceram, como o ex-deputado estadual do Rio de Janeiro João Massena Mello.
Além da retirada da exposição, o MPF recomendou que a UCS se abstivesse de realizar qualquer evento de reinauguração do memorial. O órgão também baseia sua posição nas conclusões da Comissão Nacional da Verdade (CNV), cujo relatório final, publicado em 2014, orienta a revogação de homenagens a agentes envolvidos em graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar.
A UCS ainda não informou se pretende emitir novas manifestações públicas sobre o caso.
O movimento estudantil
Os diretórios acadêmicos de diversos cursos da Universidade de Caxias do Sul, juntamente com o Diretório Central de Estudantes (DCE-UCS), divulgaram um posicionamento conjunto em que repudiam a manutenção do Memorial Ernesto Geisel e exigem sua imediata retirada. As entidades estudantis afirmam que a universidade deve se responsabilizar pelo erro, alinhar-se às recomendações do Ministério Público Federal e promover uma retratação pública, ressaltando que não é papel de uma instituição de ensino superior legitimar, ainda que indiretamente, figuras historicamente vinculadas a graves violações de direitos humanos.
Por João Vitor Mendes | Revisão: Daniela Gentil
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