Revogação da Diretriz de Emergência Médica
O governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, revogou nesta terça-feira (3) uma diretriz federal criada durante a gestão de seu antecessor, Joe Biden, que obrigava hospitais a realizarem abortos em situações emergenciais para preservar a vida ou a saúde da gestante. A medida havia sido adotada em 2022, após a revogação da decisão Roe vs. Wade pela Suprema Corte, e era vista como um dos últimos mecanismos federais que protegiam o acesso ao aborto em estados com proibições severas.
A diretriz, baseada na Lei de Tratamento Médico de Emergência e do Parto (Emtala), de 1986, determinava que hospitais públicos ou privados que recebessem verbas federais deveriam fornecer todos os procedimentos necessários, incluindo aborto, quando a vida da paciente estivesse em risco. Agora, com a revogação oficial assinada pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS), sob comando do secretário Robert F. Kennedy Jr., essa interpretação deixa de ter efeito.
“O entendimento anterior não representa as prioridades e políticas desta administração”, declarou Kennedy Jr. em nota. Apesar disso, ele garantiu que a lei Emtala segue em vigor e que os hospitais ainda têm a obrigação de prestar atendimento emergencial, embora sem a exigência explícita do aborto como medida prevista.
Reações e Impactos no Sistema de Saúde
A revogação foi recebida com preocupação por entidades médicas e organizações de defesa dos direitos reprodutivos, que temem que a ausência de diretrizes claras possa gerar confusão nos hospitais e colocar vidas em risco, especialmente em estados com legislação mais rígida.
“Estamos falando de pacientes que chegam ao pronto-socorro com quadros graves como sangramentos intensos, gravidez ectópica rompida ou sepse. Sem essa proteção federal, profissionais de saúde podem hesitar, temendo processos ou retaliações legais”, afirma a ginecologista obstetra Dra. Rachel Banks, porta-voz do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG).
O temor é que, sem a garantia federal, decisões críticas passem a depender de interpretações legais estaduais, muitas vezes conflitantes, e de comitês hospitalares, o que pode atrasar o atendimento e comprometer a vida da paciente.
Contexto Político e Repercussões Legais
A diretriz revogada foi emitida em julho de 2022, semanas após a Suprema Corte dos EUA derrubar o precedente legal da Roe vs. Wade, decisão de 1973 que havia assegurado o direito ao aborto em todo o país. A revogação da Roe devolveu aos estados a autoridade para legislar sobre o tema, resultando em uma onda de proibições e restrições ao aborto em mais de vinte estados, onde a população é de maioria republicana.
Para tentar conter os impactos dessa mudança drástica, o então presidente Biden instruiu o HHS a garantir, por meio da Emtala, que mulheres em emergências obstétricas recebessem os cuidados adequados, mesmo que isso implicasse a interrupção da gravidez.
Agora, com Trump novamente no poder, essa interpretação foi anulada. A justificativa oficial é que a Emtala “não exige ou autoriza explicitamente a realização de abortos”, e que sua aplicação deverá respeitar as leis estaduais vigentes.
A mudança deve gerar impactos imediatos, sobretudo nos chamados “estados-gatilho” — aqueles que, com a queda da Roe vs. Wade, ativaram leis automaticamente restritivas ao aborto. Nesses locais, médicos já enfrentam um ambiente de incerteza jurídica e risco profissional ao decidirem por procedimentos de emergência.

Foto: Veja
“É uma mensagem preocupante. Estamos retirando das mãos dos profissionais de saúde a autonomia de agir com base na ciência e no dever médico, e colocando isso nas mãos de políticos e promotores”, alerta a advogada Rebecca Dooling, especialista em direito da saúde.
Embora a Emtala ainda exija que hospitais tratem emergências médicas, sua aplicação para casos de aborto agora dependerá da interpretação caso a caso — o que aumenta a vulnerabilidade de pacientes e profissionais.
A revogação ocorre em um contexto de intensa polarização política nos Estados Unidos. Desde sua posse, Trump tem sinalizado o compromisso com pautas conservadoras, especialmente em temas ligados à vida, família e religião. O Partido Republicano, com maioria em várias legislaturas estaduais, pressiona por medidas cada vez mais restritivas ao aborto.
Por outro lado, diversos processos judiciais estão em curso, movidos por organizações como a Planned Parenthood, a ACLU e centros de direitos civis, que argumentam que negar aborto em emergências médicas viola tanto a Constituição quanto os princípios básicos de ética médica.
No Congresso, parlamentares democratas tentam reverter a decisão e propor uma nova legislação que codifique o direito ao aborto em casos de risco à vida da gestante. No entanto, com a atual composição do Senado e da Câmara, as chances de avanço são mínimas.
Especialistas apontam que o endurecimento da política federal pode mobilizar o eleitorado jovem e feminino, especialmente em estados-chave como Michigan, Pensilvânia, Arizona e Geórgia, onde as disputas costumam ser acirradas.
Por Alemax Melo | Revisão: Daniela Gentil
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