A Câmara dos Deputados aprovou nesta segunda-feira (16) o requerimento de urgência para um projeto de decreto legislativo que visa anular a recente decisão do governo federal de aumentar as alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). O texto, proposto pelo líder da oposição, deputado Luciano Zucco (PL-RS), obteve 346 votos favoráveis e 97 contrários, resultado que evidencia o desgaste crescente entre o Congresso e o Palácio do Planalto.
A medida aprovada acelera o trâmite do projeto, permitindo que ele seja analisado diretamente no plenário da Câmara, sem passar pelas comissões temáticas. Ainda não há uma data oficial para a votação do mérito, mas a oposição pressiona para que o texto entre na pauta já nesta terça-feira (17), antes do recesso parlamentar de julho. A decisão poderá representar mais uma derrota para o governo Lula em sua tentativa de ajustar as contas públicas por meio de aumento de tributos.
Reações negativas e recuo parcial do governo
O ponto central da controvérsia é o decreto publicado pelo Executivo no fim de maio, que previa a elevação de algumas modalidades do IOF como estratégia para aumentar a arrecadação em aproximadamente R$ 20 bilhões ainda neste ano. A medida gerou forte reação do mercado financeiro e de setores do Congresso, que enxergaram a mudança como mais uma tentativa de aumentar a carga tributária sem atacar o real problema: os altos gastos públicos.
Diante da repercussão negativa, a equipe econômica do governo recuou ainda no mesmo dia em parte do decreto especificamente na parte que tributava remessas de recursos de fundos de brasileiros ao exterior. No entanto, a sinalização foi insuficiente para aplacar os ânimos do Parlamento.
Na tentativa de manter sua política de ajuste fiscal, o governo publicou uma nova versão do decreto com alterações nas alíquotas, além de editar uma medida provisória que propõe mudanças adicionais na arrecadação a serem implementadas a partir de 2025. A MP, que inclui novas taxações sobre investimentos e empresas, também enfrentou resistência de frentes parlamentares de centro e de oposição.
Pressão por cortes e clima de desgaste com o Planalto
A proposta poderá, segundo estimativas da equipe econômica, gerar uma receita extra de R$ 14,8 bilhões em 2025 e até R$ 31,5 bilhões em 2026. Ainda assim, as medidas foram vistas como mais uma investida arrecadatória. O deputado Luciano Zucco classificou a manobra como “abusiva” e disse que o IOF, por natureza, é um tributo extrafiscal, e não deve ser utilizado como simples instrumento de arrecadação.
A aprovação da urgência foi impulsionada por partidos da base governista que ocupam ministérios, como MDB, União Brasil, PSD e PP todos liberados pela liderança do governo para votar como quisessem. Apenas o PSB e a federação formada por PT, PCdoB e PV orientaram voto contrário. A decisão de liberar a base mostra que o Planalto já não consegue unificar seus aliados em temas fiscalmente impopulares.
Parlamentares das bancadas do PP, União Brasil e PL também fizeram duras críticas à medida provisória enviada pelo governo. Os principais pontos de contestação incluem:
A criação de uma alíquota de 17,5% de Imposto de Renda sobre aplicações financeiras;
A tributação de 5% sobre LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) e LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio), antes isentas;
A elevação da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) para instituições financeiras;
O aumento da carga sobre empresas de apostas, com alíquota subindo de 12% para 18%.
Segundo os parlamentares, essas propostas penalizam setores estratégicos da economia e atingem diretamente o contribuinte médio.
O presidente da Câmara, Hugo Motta, tem se mostrado uma das figuras mais influentes na resistência ao novo pacote fiscal. No sábado (14), ele se reuniu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para discutir o impasse. Já nesta segunda-feira, antes da votação, Motta voltou a se encontrar com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), além de líderes da base aliada.
Após os encontros, Motta afirmou que a Câmara e os partidos estão “esgotados” com medidas que visam exclusivamente aumentar a arrecadação. Segundo ele, o Executivo se comprometeu a apresentar uma agenda de cortes de despesas, o que seria essencial para reconstruir a confiança entre os Poderes. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estaria à frente da elaboração dessa nova proposta, com novas reuniões previstas para os próximos dias.
“Essa votação de hoje tem valor simbólico. É o retrato de um Parlamento que quer responsabilidade fiscal de verdade, e não apenas mais impostos”, disse Motta a jornalistas após o resultado no plenário.
A oposição e parte do centrão querem que o governo abandone o caminho do aumento de tributos e passe a implementar cortes reais na máquina pública. O líder da oposição, Luciano Zucco, foi enfático ao afirmar que pretende negociar com Hugo Motta a votação do mérito do projeto ainda nesta semana. “Queremos aprovar o texto antes do recesso parlamentar. Vamos insistir numa agenda que priorize o corte de gastos e não a penalização dos contribuintes”, declarou.
Apesar de o governo ter recuado em partes do decreto original, a insatisfação permanece. O novo decreto, mesmo com ajustes, e a medida provisória que acompanha o pacote continuam sendo vistos como excessivamente arrecadatórios. O temor no Planalto é que, com a queda do decreto via Congresso, outras iniciativas fiscais também comecem a ser derrubadas em efeito cascata.
Para que o decreto seja de fato derrubado, é necessário que o mérito do projeto de Zucco seja aprovado pela maioria simples da Câmara dos Deputados e, posteriormente, receba o aval do Senado Federal. Caso isso ocorra, o governo terá mais um revés no seu esforço de recuperar o equilíbrio fiscal.
A estratégia do Executivo vinha sendo construída com base na recomposição de receitas, aproveitando a aprovação da reforma tributária em 2023. No entanto, o ambiente político desfavorável e o desgaste com o Congresso têm dificultado a consolidação da agenda econômica.
Sem apoio robusto no Legislativo, o governo Lula se vê pressionado a repensar suas prioridades e apresentar, com urgência, alternativas concretas para a contenção de despesas públicas.
A semana promete ser decisiva não apenas para o futuro do decreto do IOF, mas também para o destino da política fiscal do país em um ano que exige equilíbrio, responsabilidade e diálogo entre os Poderes.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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