O governo dos Estados Unidos, sob a liderança do ex-presidente Donald Trump, protagonizou um novo capítulo de tensão entre política e ciência. Na última segunda-feira, o secretário da Saúde, Robert Kennedy Jr., anunciou oficialmente a demissão em massa dos 17 especialistas que compunham o principal comitê consultivo sobre vacinas do país. A justificativa, segundo ele, estaria ligada a supostos conflitos de interesses envolvendo os integrantes e suas relações com a indústria farmacêutica.
A decisão surpreendeu a comunidade médica internacional e despertou fortes reações de entidades científicas e organizações ligadas à saúde pública. O comitê, tradicionalmente formado por médicos, cientistas, epidemiologistas e especialistas em imunologia, tem a função de orientar as políticas nacionais de vacinação e emitir pareceres técnicos sobre eficácia, segurança e distribuição de imunizantes. Trata-se de um órgão considerado essencial para a confiança pública no sistema de saúde norte-americano.
Kennedy Jr. alega “restaurar integridade científica”
Em um comunicado divulgado à imprensa, Robert Kennedy Jr., sobrinho do ex-presidente John F. Kennedy e figura conhecida por suas posições controversas em relação às vacinas, afirmou que a medida era necessária para “restaurar a integridade científica do governo”. Ele disse ainda que “não se pode confiar em conselhos formados por pessoas que mantêm vínculos financeiros com as mesmas indústrias que deveriam fiscalizar”, sugerindo que os especialistas demitidos teriam ligações com laboratórios farmacêuticos, algo que não foi comprovado até o momento.
A demissão em bloco, no entanto, foi vista com preocupação por médicos e especialistas que consideram a ação uma tentativa de politizar decisões técnicas. “É um movimento perigoso. Esses comitês são compostos por profissionais de altíssima qualificação, e sua função é justamente garantir que decisões de saúde pública sejam tomadas com base em evidências e não em ideologias”, afirmou uma ex-integrante do grupo, que preferiu não se identificar por receio de retaliações.

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Críticas da OMS e apoio de grupos antivacina
A reação internacional não tardou. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o episódio como “alarmante” e defendeu a importância da autonomia dos órgãos técnicos na formulação de políticas públicas. Segundo especialistas da entidade, comprometer a independência científica pode afetar diretamente a adesão da população a programas de vacinação, além de abrir espaço para a proliferação de desinformação.
Em território americano, grupos antivacina, muitos deles apoiadores do discurso de Kennedy Jr. celebraram a decisão como um “marco histórico”. Em redes sociais, ativistas elogiaram o secretário por, segundo eles, “enfrentar o cartel da indústria farmacêutica”. Já profissionais da saúde pública classificaram as comemorações como “um sintoma preocupante de tempos em que a ciência vem sendo colocada em segundo plano por narrativas políticas”.
Comitê segue sem reposição e incertezas crescem
Robert Kennedy Jr., que assumiu a Secretaria da Saúde durante o segundo mandato de Donald Trump, já vinha sendo alvo de críticas por declarações controversas em relação à segurança de vacinas, especialmente durante a pandemia de COVID-19. Embora negue ser “antivacina”, Kennedy tem um histórico de questionamentos às campanhas de imunização e chegou a promover, no passado, eventos com desinformação sobre o tema.
Até o momento, o governo não apresentou os nomes dos novos especialistas que irão compor o comitê, nem informou quando as atividades do grupo serão retomadas. A expectativa é que os substitutos sejam anunciados ao longo das próximas semanas, possivelmente com perfis mais alinhados à visão crítica de Kennedy sobre o papel das indústrias no setor de saúde.
Enquanto isso, cresce a preocupação sobre os impactos da decisão na gestão de crises sanitárias futuras, na confiança da população nos imunizantes e na condução de campanhas nacionais de vacinação. Para analistas políticos, o gesto de Kennedy Jr. pode agradar à base mais conservadora do ex-presidente Trump, mas coloca em xeque a credibilidade internacional dos Estados Unidos no campo da saúde pública.
A comunidade científica, por sua vez, segue mobilizada para defender a integridade dos comitês técnicos e a importância da ciência baseada em evidências. “Sem autonomia e confiança, não há política de saúde que se sustente. Estamos diante de um retrocesso grave”, alerta uma carta assinada por mais de 500 profissionais da saúde entregue ao Congresso americano nesta quarta-feira.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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