No segundo dia de interrogatórios no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (10), o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), optou por permanecer em silêncio durante a maior parte de seu depoimento no inquérito que investiga uma suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
Heleno, réu na ação, fez uso parcial do direito constitucional de não produzir provas contra si. Conforme informado por seu advogado, Matheus Milanez, ele respondeu apenas às perguntas formuladas por sua própria defesa, recusando-se a responder aos questionamentos do ministro relator Alexandre de Moraes, da Procuradoria-Geral da República (PGR) e de advogados de outros réus.
Durante a audiência, o advogado Matheus Mayer, também da defesa de Heleno, chegou a adverti-lo para que respondesse apenas com “sim ou não” às perguntas, pedindo que se ativesse aos fatos.
Ele negou ter participado do plano Punhal Verde e Amarelo, que previa o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro do STF, Alexandre de Moraes.
Garnier descreve reunião no Ministério da Defesa como “estranha”
Outro destaque do dia foi o depoimento do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, que relatou ao STF uma reunião considerada “incomum” com o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, ocorrida em 14 de dezembro de 2022.
Segundo Garnier, o encontro que reuniu os comandantes das três Forças Armadas foi encerrado abruptamente, sem qualquer apresentação de pauta ou documentos.
“Quando eu entrei, eu já percebi que tinha havido algum tipo de desentendimento ou de alguma discussão anterior”, relatou Garnier, acrescentando que o clima era tenso e que o ministro parecia visivelmente chateado.
Ele afirmou não se lembrar de ter sido apresentado qualquer documento, contradizendo o depoimento anterior do Brigadeiro Baptista Júnior, que disse ter havido uma apresentação relacionada a um possível estado de defesa ou de sítio.
A Procuradoria-Geral da República afirma que Garnier foi o único comandante militar a aderir ao plano golpista, colocando supostamente as tropas da Marinha à disposição do então presidente Jair Bolsonaro.
Tal versão, no entanto, é contestada por outros militares ouvidos pelo STF, como o general Freire Gomes, ex-comandante do Exército.
Anderson Torres fala em “minuta do Google”
Também ouvido nesta terça-feira, o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, atribuiu a sua ausência em Brasília durante os atos de 8 de janeiro de 2023 a uma viagem de férias com a família aos Estados Unidos. Ele disse ter sido surpreendido com as invasões às sedes dos Três Poderes.
“Eu vejo que houve uma falha muito grave no cumprimento do protocolo de ação integrada”, declarou Torres. “Estava num parque da Disney quando tive informação, eles já tinham entrado no Palácio do Planalto e no Congresso. Fiquei desesperado.”
Sobre a chamada “minuta do golpe”, encontrada em sua residência, Torres tentou minimizar sua importância, dizendo que era um documento comum, acessível na internet.
“Não é a minuta do golpe, é a minuta do Google. Esse documento foi entregue ao meu gabinete. Eu nem me lembrava disso, foi uma surpresa”, afirmou.
Ele afirmou ainda que o documento deveria ter sido descartado e que jamais discutiu o conteúdo com Bolsonaro ou qualquer outra autoridade.
Contexto dos depoimentos
Os interrogatórios fazem parte da ação penal conduzida pelo STF que investiga o chamado “núcleo crucial” da suposta tentativa de golpe após a vitória eleitoral de Lula em 2022. Entre os réus estão o ex-presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel e delator Mauro Cid, o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto, além de militares e ex-integrantes do governo.
Os depoimentos vêm revelando contradições entre os investigados e ajudando a compor o quadro da atuação de diversos setores das Forças Armadas e do governo Bolsonaro nos momentos que antecederam os atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
Por João Vitor Mendes | Revisão: Indra Miranda
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