O Senado Federal deve votar nesta terça-feira (8) o polêmico projeto de lei que regulamenta a exploração de jogos de azar no Brasil. A proposta, que autoriza o funcionamento de cassinos, bingos, videobingos, jogo do bicho e apostas em corridas de cavalos, promete acirrar os ânimos entre parlamentares governistas, de oposição e da bancada evangélica.
Apresentado originalmente em 1991 pelo então deputado Renato Vianna (MDB-SC), o texto chegou ao Senado apenas em 2022, após mais de três décadas de tramitação na Câmara. Relatado pelo senador Irajá (PSD-TO), o projeto é considerado uma das matérias mais controversas em pauta neste ano legislativo.
A proposta estava prevista para ser votada ainda em dezembro de 2024, mas foi retirada da pauta após senadores pedirem estudos adicionais sobre seus impactos, em especial nas áreas de saúde e desenvolvimento social. Agora, retorna ao plenário com apoio do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), que decidiu pautá-lo após conversas com lideranças partidárias.
De acordo com o relator, a legalização dos jogos pode representar um salto econômico significativo para o país. Irajá estima que o setor poderá atrair cerca de R$ 100 bilhões em investimentos, gerar R$ 20 bilhões em impostos e criar 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos. Ele também projeta um aumento considerável no número de turistas estrangeiros visitando o Brasil, caso o projeto seja aprovado.
“A proposta prevê mecanismos rigorosos de controle financeiro e medidas eficazes contra o crime organizado. Também estabelece uma política nacional focada na prevenção e tratamento da ludopatia, que é o vício em jogos”, argumentou o senador.
Apesar da defesa enfática de parte dos parlamentares, o PL enfrenta forte resistência de setores religiosos e conservadores, especialmente da bancada evangélica. Os opositores alegam que a liberação dos jogos de azar poderá incentivar comportamentos compulsivos, agravar problemas de saúde mental e facilitar a lavagem de dinheiro.
No entanto, mesmo entre os partidos de oposição, não há consenso. Alguns líderes devem liberar suas bancadas para votar conforme a consciência individual de cada senador, evitando desgastes políticos. A última votação significativa sobre o tema ocorreu em 2024 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), quando o texto foi aprovado por uma margem apertada: 14 votos a favor e 12 contra.
Na época, houve movimentações nos bastidores para alterar a composição do colegiado e garantir o avanço da matéria. Entre os principais pontos do projeto está a autorização para a instalação de cassinos em complexos integrados de lazer, que deverão ter infraestrutura de alto padrão, com no mínimo 100 quartos de hotel, restaurantes, bares, centros de convenções e espaços culturais.
Cada estado brasileiro, além do Distrito Federal, poderá abrigar um cassino. Estados com maior densidade populacional ou potencial turístico, como São Paulo, poderão ter até três estabelecimentos. Minas Gerais, Rio de Janeiro, Amazonas e Pará poderão instalar até dois cassinos cada.
O projeto também libera cassinos flutuantes, instalados em embarcações de grande porte. Esses navios poderão operar em rios com extensão mínima de 1.500 quilômetros, com limites específicos para cada faixa de comprimento. No total, o país poderá ter até dez desses cassinos fluviais. As embarcações, no entanto, não poderão permanecer ancoradas na mesma localidade por mais de 30 dias consecutivos, o que visa evitar a concentração regional e estimular o turismo itinerante.
Outro requisito importante é o capital social mínimo exigido para que uma empresa possa explorar os jogos: ao menos R$ 100 milhões, integralizados. O credenciamento para operar será válido por 30 anos, com possibilidade de renovação.
A legalização dos jogos no Brasil tem sido pauta recorrente ao longo das últimas décadas, mas sempre encontrou barreiras políticas, morais e religiosas. Em paralelo, o setor de apostas esportivas online recentemente regulamentado vem crescendo de forma acelerada e já movimenta bilhões de reais por ano. Para especialistas, a regulamentação dos jogos presenciais é um passo natural diante do avanço das plataformas digitais.
“É uma realidade econômica que já existe, mesmo que de forma ilegal ou desregulamentada. O desafio do Senado é transformar essa realidade em uma atividade segura, transparente e benéfica para o país”, resume um consultor legislativo ouvido pela reportagem.
Com o texto finalmente pronto para votação, resta saber se o Senado conseguirá superar as resistências e aprovar um projeto que, além de polêmico, mexe com temas sensíveis como saúde pública, turismo, segurança e arrecadação fiscal.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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