A crise política na Argentina ganhou novos contornos nesta terça-feira (10) após a Suprema Corte de Justiça do país rejeitar o último recurso apresentado pela defesa da ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner, mantendo sua condenação a seis anos de prisão por corrupção e decretando sua inelegibilidade vitalícia para cargos públicos. A decisão, unânime entre os magistrados, intensifica as tensões políticas num país já fragilizado economicamente e polarizado ideologicamente.
Cristina tem agora cinco dias úteis para se apresentar de forma voluntária às autoridades judiciais. Aos 71 anos, no entanto, a ex-presidente poderá solicitar o cumprimento da pena em regime domiciliar, como prevê a legislação argentina para pessoas com mais de 70 anos.
A sentença confirma a condenação imposta em 2022 no caso conhecido como “Vialidad”, que apurou irregularidades na concessão de obras públicas durante os dois mandatos presidenciais de Cristina (2007–2015). Segundo o Ministério Público, houve um esquema de favorecimento sistemático ao empresário Lázaro Báez, próximo da ex-mandatária, na adjudicação de contratos na província de Santa Cruz.
A decisão da Corte foi recebida com protestos por simpatizantes da ex-presidente, que se concentraram em frente à sede do Partido Justicialista, em Buenos Aires. De uma sacada do prédio, Cristina discursou para os militantes, criticando duramente os juízes e o governo de Javier Milei.
Esta Argentina em que vivemos hoje nunca deixa de nos surpreender declarou, em tom emocional. Não se confundam. [Os juízes] são três fantoches que respondem a líderes naturais muito acima deles.
No discurso de cerca de vinte minutos, a ex-presidente afirmou ser vítima de uma “perseguição política orquestrada” e disse que o veredito já estava definido muito antes do julgamento.
“A sentença já estava escrita. Não foi um julgamento de verdade, foi uma encenação”- disparou. Eles podem prender o meu corpo, mas não vão prender a minha história.
Cristina também aproveitou o momento para atacar o presidente Javier Milei, a quem acusou de estar desmantelando os pilares sociais do país. Segundo ela, a atual gestão estaria promovendo cortes que afetam duramente setores como educação, saúde e economia.
Este governo quer apagar tudo que construímos. Mas minha prisão não mudará a situação do povo argentino. Ela será meu testemunho de dignidade política e histórica afirmou.
Efeitos políticos
A prisão de uma figura de peso como Cristina Kirchner, que foi também vice-presidente de Alberto Fernández entre 2019 e 2023, promete inflamar ainda mais o debate político argentino. O país vive um momento delicado, marcado por alta inflação, tensão nas ruas e um governo liberal que enfrenta resistência de amplos setores sociais.
Especialistas apontam que a decisão da Suprema Corte poderá ser utilizada tanto pela oposição como pelo governo. Enquanto os kirchneristas denunciam a sentença como um ato de “lawfare” o uso político do sistema judicial, aliados de Milei comemoram a decisão como símbolo do “fim da impunidade”.
No entanto, analistas também alertam para o risco de que a prisão de Cristina leve a uma radicalização do cenário político, principalmente às vésperas das eleições legislativas previstas para 2025.
Estamos diante de um momento histórico na política argentina. Cristina Kirchner representa um campo ideológico que, goste-se ou não, marcou duas décadas no país. A sua prisão pode ser lida como um divisor de águas, afirma o cientista político Hernán Pasquini, da Universidade de Buenos Aires.
Repercussão internacional
A notícia da condenação definitiva e ordem de prisão de Cristina repercutiu em diversos países da América Latina. Líderes de esquerda, como Gustavo Petro (Colômbia) e Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), ainda não haviam se manifestado publicamente até o fechamento desta reportagem, mas setores ligados a partidos progressistas denunciaram a decisão como “criminalização da política”.
Já opositores históricos da ex-presidente, como o ex-presidente Mauricio Macri, defenderam a medida como um avanço institucional. “Ninguém está acima da lei”, escreveu Macri em suas redes sociais.
O que acontece agora?
Com a confirmação da pena, Cristina Kirchner deverá aguardar a definição do juiz de execução penal responsável pelo caso, que poderá conceder ou não o regime domiciliar. Em paralelo, sua defesa poderá recorrer a organismos internacionais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), alegando violação de garantias constitucionais.
Enquanto isso, o país segue atento a possíveis mobilizações populares tanto a favor quanto contra a prisão. Em seu discurso, Cristina evitou convocar manifestações diretas, mas o tom de suas palavras pode funcionar como catalisador para atos nos próximos dias.
“Não tenham medo. Sigam lutando “, finalizou a ex-presidente, sob gritos de “Cristina, força!” da multidão presente.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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