Apesar da redução no número de casos, a violência contra jornalistas no Brasil segue em um patamar alarmante. É o que revela o Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil – 2024, divulgado nesta semana pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).
Foram 144 casos registrados em 2024, uma queda de 20,44% em relação a 2023 (181 casos), e o menor número desde 2018, quando foram notificados 135 episódios. No entanto, a presidenta da FENAJ, Samira de Castro, faz um alerta: “Os ataques continuam, mas se tornam mais sofisticados e perigosos. Estamos vivendo uma transição da violência física para formas estruturais de silenciamento, como o assédio judicial e a censura”.
Assédio judicial e censura crescem
Entre os dados mais preocupantes do relatório está o crescimento proporcional do assédio judicial, que saltou de 13,81% dos casos em 2023 para 15,97% em 2024, totalizando 23 registros. A FENAJ reforça que passou a utilizar o termo “assédio judicial” em vez de “cerceamento por meio de ação judicial” para explicitar o caráter abusivo dessas iniciativas, muitas delas impulsionadas por políticos, empresários e líderes religiosos.
A censura também explodiu, com um crescimento de 120%: de 5 casos em 2023 para 11 registros em 2024, muitos deles envolvendo decisões judiciais e pressões institucionais. “A censura está se institucionalizando, muitas vezes por vias legais, o que torna o cenário ainda mais grave”, pontua Samira.
Redução da violência física, mas ameaças persistem
Os casos de agressões físicas caíram de 40 para 30 registros (-25%), mas seguem incluindo situações graves, como tentativas de homicídio e ataques com arma de fogo. Já as ameaças e intimidações somaram 35 ocorrências e se mantiveram estáveis.
O pesquisador Rogério Christofoletti, da UFSC e membro do Observatório da Violência contra Jornalistas, avalia que os números ainda são preocupantes: “O número de casos é menor que o do ano passado, mas ainda é maior que 2018. Isso mostra que a violência contra jornalistas está resistente e talvez sedimentada na sociedade”.
Pico de ataques durante o período eleitoral
O relatório também destaca que 38,9% dos casos ocorreram entre maio e outubro, durante o período eleitoral de 2024, sendo julho o mês mais violento do ano. A FENAJ atribui esse pico à intensificação de discursos de ódio, especialmente por parte de grupos de extrema direita.
Sudeste lidera agressões; Centro-Oeste tem queda suspeita
Imagem: FENAJ
A Região Sudeste concentrou o maior número de ataques: 38 casos (26,39%), com São Paulo liderando isoladamente (23 registros). Em seguida vêm o Nordeste, com 36 episódios (25%), e o Sul, com 31.
A maior queda foi no Centro-Oeste, que passou de 40 para 17 casos. A FENAJ, no entanto, aponta possibilidade de subnotificação, especialmente no Distrito Federal, onde a violência simbólica institucionalizada durante o governo Bolsonaro havia sido marcante nos anos anteriores.
Jornalistas digitais ultrapassam TV como principais alvos
Imagem: Fenaj
Pela primeira vez, os profissionais de mídias digitais foram os mais atingidos, com 63 ataques (43,75%), superando os jornalistas de televisão (34 casos, 23,61%). Esses números incluem desde blogs individuais até grandes veículos como The Intercept. O dado revela uma mudança no perfil dos alvos, com foco crescente nos veículos alternativos e independentes.
Quem são os agressores?
A esfera política continua liderando o ranking de agressores:
- 48 episódios (33,33%) partiram diretamente de políticos;
- 5 de apoiadores diretos,
- 6 de manifestantes de extrema direita,
- 9 de servidores públicos ou órgãos como prefeituras e governos estaduais.
No total, 68 casos (47,22%) dos ataques em 2024 tiveram origem político-ideológica, com destaque para setores da direita e extrema direita.
Outros agressores incluem:
- “Populares” (10 casos),
- Policiais civis e militares (9),
- Dirigentes ou torcedores de futebol (9),
- Empresários em geral (7),
- Colegas de profissão (4),
- Casos não identificados (9).
Violência de gênero também preocupa
Apesar de não serem maioria entre os alvos, jornalistas mulheres seguem vítimas de violência de caráter misógino, incluindo insultos, ameaças e desqualificação profissional. Foram registrados:
- 81 vítimas homens (52,6%),
- 47 mulheres (30,52%),
- 26 casos coletivos ou com gênero não identificado (16,86%).
Nenhum ataque a jornalistas trans foi registrado.
Contexto internacional agrava a preocupação
No cenário global, o relatório destaca a morte de 122 jornalistas em 2024, a maioria na Faixa de Gaza, em meio à ofensiva de Israel contra o povo palestino. A FENAJ também chama atenção para os riscos à liberdade de imprensa com a eventual reeleição de Donald Trump nos EUA e para o papel das big techs na propagação da desinformação.
Conclusão: queda nos números não é sinônimo de tranquilidade
A FENAJ alerta que, embora os números absolutos tenham diminuído, há uma sofisticação dos ataques, que agora envolvem mecanismos legais e institucionais para calar vozes críticas. “A liberdade de imprensa é uma condição para a democracia, os direitos humanos e a soberania nacional. A luta agora é contra novas formas de censura que se disfarçam de legalidade”, conclui Samira de Castro.
A entidade reforça ainda a urgência de garantir segurança no trabalho, salários dignos e combate ao discurso de ódio, especialmente com a aproximação do ciclo eleitoral de 2026.
* Gráficos retirados do relatório da FENAJ
Por João Vitor Mendes | Revisão: Lorrayne Rosseti