As audiências de conciliação sobre a polêmica Lei do Marco Temporal chegaram ao fim nesta segunda-feira (23), marcando o encerramento de uma série de debates intensos que reuniram representantes dos três Poderes, da sociedade civil e de entidades indígenas. Apesar de avanços significativos em pontos de consenso, o texto final do anteprojeto de lei ainda carrega pendências importantes que deverão ser sanadas antes de um eventual envio ao Congresso Nacional.
Entre as principais indefinições está o Plano Transitório de Regularização das Terras Indígenas, que será apresentado pela União nos próximos dias. Além disso, está em estudo uma proposta que prevê o pagamento de indenizações a proprietários impactados por demarcações por meio de precatórios, o que poderá influenciar o cronograma de implementação e os custos envolvidos.
As sessões de conciliação foram conduzidas de forma híbrida com participações presenciais e virtuais e tiveram os trabalhos prorrogados até 25 de junho por decisão do ministro Gilmar Mendes, relator do caso no Supremo Tribunal Federal. Na audiência final, realizada nesta segunda (23), os debates se estenderam por mais de cinco horas, refletindo a complexidade do tema e a pluralidade de interesses em jogo.
Durante os encontros, foram debatidos pontos cruciais como:
- Atividades econômicas em terras indígenas;
- Indenizações pela restrição ao usufruto dos territórios;
- Autossustentabilidade dos povos originários;
- Protocolos de reintegração ou manutenção de posse com enfoque humanizado;
- Garantias e proteções judiciais para comunidades indígenas.
“Esta comissão tentou sanar as preocupações sobre todos os aspectos e todos os ângulos, mas claro, chegando a um meio-termo”, declarou o juiz auxiliar Diego Viegas, responsável por conduzir os trabalhos.
A proposta de anteprojeto de lei que surgiu dos debates teve como base inicial o texto elaborado pelo gabinete do ministro Gilmar Mendes. Posteriormente, a União apresentou uma contraproposta, e os pontos de convergência entre ambas foram incorporados ao documento final.
Representatividade ampla
A comissão especial que participou das conciliações foi composta por representantes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da União, de entidades municipalistas e de organizações da sociedade civil. O objetivo central do grupo foi encontrar uma solução consensual que, ao mesmo tempo, respeitasse os direitos constitucionais dos povos indígenas e trouxesse segurança jurídica às diversas partes envolvidas.
Ao término da última reunião, os membros do grupo sinalizaram concordância parcial com o texto final. Com isso, o ministro Gilmar Mendes será o responsável por revisar e, eventualmente, submeter a proposta ao plenário do STF para homologação.
Caso o Supremo aprove o conteúdo, o texto será então encaminhado ao Congresso Nacional. Lá, os parlamentares terão a missão de analisar, votar e decidir se o anteprojeto substitui oficialmente a Lei nº 14.701/2023 a controversa legislação do marco temporal, considerada inconstitucional pelo STF em setembro de 2023.
A polêmica do marco temporal
A tese do marco temporal, inserida na Lei nº 14.701/2023, estabelecia que só teriam direito à demarcação as comunidades indígenas que estivessem ocupando a terra ou em disputa judicial por ela na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
O entendimento foi derrubado pelo Supremo sob a justificativa de que a Constituição de 1988 garante aos povos originários o direito às suas terras tradicionalmente ocupadas, independentemente de data ou litígio em curso. Para os ministros, a fixação de um marco temporal desrespeita os princípios constitucionais de proteção às minorias e aos direitos dos povos indígenas.
Apesar da decisão do STF, o Congresso aprovou posteriormente a Lei 14.701/2023, reacendendo a disputa jurídica. A tentativa de mediação, agora encerrada, visava justamente evitar uma crise institucional entre os Poderes e construir uma saída consensual com participação ampla.
A partir da conclusão desse processo de conciliação, resta saber se a proposta construída com base no diálogo será suficiente para pacificar um dos debates mais delicados da atualidade brasileira: o direito à terra e a reparação histórica aos povos originários.
Por Alemax Melo I Revisão: Daniela Gentil
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