Brasília – O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta sexta-feira (9) a análise da decisão polêmica da Câmara dos Deputados que suspendeu a ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), acusado de envolvimento em atos que culminaram na tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023. A votação no plenário virtual deve se estender até a próxima terça-feira e pode ter repercussões profundas nos limites da imunidade parlamentar e no futuro das investigações em curso.
A crise institucional ganhou força após a aprovação da Resolução 18/2025 pela Câmara, com 315 votos favoráveis e 143 contrários. A norma susta o andamento da Petição 12.100, que tramita no Supremo e envolve não só Ramagem, mas também outros nomes de peso do bolsonarismo, como os generais Augusto Heleno e Braga Netto, além do próprio ex-presidente Jair Bolsonaro.
Embora a resolução mencione apenas Alexandre Ramagem, que atuou como diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro, especialistas e parlamentares apontam que a decisão pode ter um efeito cascata, blindando outros acusados, inclusive os civis e militares que participaram da articulação dos atos golpistas.
No centro do debate está a interpretação do artigo 53 da Constituição Federal, que trata da imunidade parlamentar e prevê que a Câmara pode suspender o andamento de ações penais contra seus membros, desde que os supostos crimes tenham ocorrido após a diplomação. Segundo o relator do projeto, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), essa condição está presente no caso de Ramagem, uma vez que a denúncia trata de condutas ocorridas após dezembro de 2022.
O ministro Cristiano Zanin, relator da Petição 12.100 no STF, respondeu rapidamente ao movimento da Câmara. Em ofício enviado à presidência da Casa, Zanin afirmou que a suspensão poderia, no máximo, aplicar-se apenas ao deputado Ramagem, e somente em relação aos crimes cometidos depois da diplomação. O ministro reforçou que a prerrogativa não pode ser estendida a outros réus, nem pode interferir no curso da investigação em geral.
A tentativa de sustar a ação penal gerou forte reação da oposição. Parlamentares do PT, PSOL e PSB acusaram a base governista de Bolsonaro de tentar criar um “escudo jurídico” para impedir que os principais articuladores do levante antidemocrático prestem contas à Justiça.
“A Câmara não pode ser cúmplice de golpistas. É inaceitável que este Parlamento utilize um dispositivo constitucional para sabotar as instituições e blindar criminosos”, declarou a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), em plenário. Ela chamou a medida de “trenzinho da anistia”, em referência à tentativa de absolver em bloco os envolvidos no 8 de janeiro.
O deputado Pedro Campos (PSB-PE) alertou para o risco institucional: “Se aceitarmos o trancamento integral da ação, estamos enviando ao país a mensagem de que o Congresso pode passar por cima do Supremo em nome de conveniências políticas. Isso é gravíssimo.”
Nos bastidores, ministros do STF avaliam que a resolução da Câmara é inconstitucional e deve ser derrubada. O entendimento majoritário é o de que o Parlamento não tem poder para interferir no andamento de ações penais em curso contra pessoas que não são parlamentares ou que cometeram crimes antes da diplomação. Caso esse precedente seja mantido, alertam juristas, abrir-se-á uma brecha perigosa para a impunidade de parlamentares e aliados em situações semelhantes.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) também se manifestou contra a suspensão da ação penal. Em parecer encaminhado ao STF, o órgão destacou que as investigações envolvem organização criminosa e atentado à ordem democrática, e que não se pode permitir que prerrogativas parlamentares sejam utilizadas para obstruir a Justiça.
Nos próximos dias, o julgamento do STF será acompanhado de perto por juristas, políticos e movimentos da sociedade civil. Trata-se de um teste de resistência das instituições diante das tentativas de reescrever as consequências dos atos de 8 de janeiro, episódio que deixou marcas profundas na democracia brasileira.
Se o Supremo derrubar a resolução, reafirma seu papel de guardião da Constituição e do Estado Democrático de Direito. Se, por outro lado, a sustação for validada, abre-se um perigoso precedente de blindagem institucional que pode enfraquecer os pilares da Justiça brasileira.
Por Alemax Melo | Revisão: Lais Queiroz
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