Na última Semana de Moda de Paris, modelos masculinos subiram à passarela com scarpins, botas e mocassins de salto, em desfiles como o da Vivienne Westwood e da Louis Vuitton, que contou com o rapper e ator Jaden Smith. Embora soe ousado, o gesto retoma uma longa tradição: durante séculos, o salto alto esteve ligado ao poder e à virilidade masculina.
Dos cavaleiros persas às cortes europeias
O salto alto nasceu na Pérsia, no século 10, como ferramenta prática para cavaleiros: a elevação ajudava a prender os pés nos estribos e disparar flechas com mais firmeza. O prestígio militar logo transformou o acessório em símbolo de status. No final do século 16, quando o imperador Shah Abbas I enviou missões diplomáticas à Europa, a moda foi adotada com entusiasmo pelos aristocratas.
No século 17, a peça já reinava nas cortes europeias. Luís 14, o “Rei Sol”, foi um dos maiores adeptos: usava saltos de até 10 cm, decorados com cenas de batalhas, e decretou em 1670 que apenas membros de sua corte poderiam exibir o famoso modelo vermelho, conhecido como les talons rouges. Para os homens, o salto era sinônimo de distinção; já para as mulheres, com saias volumosas, o sapato ficava quase invisível.
A “Grande Renúncia Masculina”
O século 18 marcou uma virada. O Iluminismo pregava sobriedade e racionalidade, rejeitando os excessos da nobreza. Homens abandonaram roupas coloridas, joias e tecidos chamativos para adotar trajes escuros e funcionais. Esse processo, descrito pelo psicólogo John Carl Flügel como “Grande Renúncia Masculina”, também excluiu os saltos: vistos como supérfluos, desapareceram do vestuário masculino por volta de 1740.
Do erotismo ao símbolo da feminilidade
Ainda no final do século 18, a Revolução Francesa afastou momentaneamente os saltos também do guarda-roupa feminino. Mas eles ressurgiram no século 19, ligados a um novo imaginário. Fotografias eróticas e cenas de nudez em que mulheres posavam de salto alto associaram o calçado à sensualidade, transformando-o em ícone da feminilidade, admirado e desejado, mas também criticado como símbolo de submissão.
A pesquisadora Elizabeth Semmelhack, curadora do Bata Shoe Museum, observa que esse vínculo persiste: “Uma vez que os saltos são completamente feminizados, eles se tornam ícones da irracionalidade feminina e, ao mesmo tempo, da desejabilidade feminina”.
Resistências e retomadas no masculino
Nos séculos seguintes, os saltos quase não voltaram ao cotidiano masculino. Houve usos específicos, como nos cowboys norte-americanos dos anos 1960, e presença marcante na cultura pop, com artistas como Prince, David Bowie e Jared Leto. Mais recentemente, Billy Porter lançou uma coleção sem gênero em parceria com a Jimmy Choo, mas a iniciativa esbarrou na escassez de modelos em tamanhos grandes e teve impacto limitado.
Do tabu ao futuro
Mesmo hoje, a altura ainda é considerada atributo valorizado nos homens, a ponto de alguns recorrem à palmilhas ou até cirurgias para alongamento de pernas. No entanto, quando o salto aparece de forma explícita no vestuário masculino, ressurge o estigma.
O que já foi símbolo de poder e privilégio real, hoje é visto como ousadia estética. A questão que se coloca é: trata-se de uma verdadeira transgressão, ou apenas de um reencontro com a história da moda masculina?
Com informações da CNN E BBC NEWS
Por João Vitor Mendes | Revisão: Daniela Gentil
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