Na noite da última segunda-feira (16), artistas, ativistas e lideranças políticas se reuniram no Rio de Janeiro em uma mobilização inédita em defesa do meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas. O ato contou com a presença das ministras Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) e Sonia Guajajara (Povos Indígenas), além da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) e diversos representantes do meio artístico, cultural e social.
Com abertura e encerramento marcados por apresentações da cantora e ativista indígena Djuena Tikuna, que emocionou o público com canções em sua língua ancestral, o evento reforçou a importância da arte como instrumento de resistência e mobilização social. Estiveram presentes nomes como Letícia Spiller, Marcos Palmeira, Maria Gadú, Paulo Betti, Malu Mader, Camila Queiroz, Klebber Toledo, Isabel Fillardis, entre muitos outros.
O ator Marcos Palmeira destacou a relevância das conquistas recentes, apesar dos retrocessos. “A gente fica com a sensação de que não deu em nada, mas já deu em muita coisa. Temos uma deputada indígena, uma ministra indígena, temos Marina Silva como ministra. Isso é evolução”, afirmou. Ele também relembrou a trajetória histórica de figuras como Mário Juruna, primeiro deputado federal indígena do Brasil, que usava um gravador para registrar as promessas feitas por políticos, como forma de enfrentar a desconfiança sobre o que era dito por não indígenas.
O encontro teve como eixo central o manifesto “O Brasil Merece Respeito”, assinado por dezenas de personalidades presentes, como também por artistas que não puderam comparecer, incluindo Anitta, Glória Pires, Bruno Gagliasso e Dira Paes. O documento, construído em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e a Mídia Indígena, denuncia a atual ofensiva legislativa contra os direitos dos povos originários e os mecanismos de proteção ambiental no Brasil.
Ameaças no Congresso
Entre os principais alvos da crítica dos presentes está o chamado “PL da Devastação” (Projeto de Lei 2.159/2021), aprovado no Senado e que pode ser votado a qualquer momento na Câmara dos Deputados. A proposta desmonta o atual sistema de licenciamento ambiental e, segundo nota técnica do Instituto Socioambiental (ISA), deixaria 259 Terras Indígenas e mais de 1.500 territórios quilombolas desprotegidos mesmo que muitos já tenham processos de regularização em andamento.
De acordo com o ISA, com o PL em vigor, cerca de 18 milhões de hectares de floresta, o equivalente ao estado do Paraná, estariam vulneráveis a empreendimentos de alto impacto, como obras do PAC 2023 na Amazônia Legal. O número de áreas protegidas impactadas passaria de 277 para apenas 102, escancarando as consequências da proposta.
Além desse projeto, também foram criticadas a PEC 48/2023, que propõe transferir a responsabilidade pela demarcação de Terras Indígenas para estados e municípios medida considerada inconstitucional e o PDL 717/2024, que busca impor barreiras burocráticas à demarcação e legitimar a ocupação irregular de terras tradicionalmente indígenas.
A ministra Marina Silva, em seu discurso, alertou para os riscos de retrocessos irreversíveis. “Estamos aqui em legítima defesa da vida e dos modos de vida que ajudam a proteger e a sustentar a vida nesse planeta. Que a arte possa inundar os litorais da política e do bom senso, para que não permitamos a destruição da coluna vertebral da proteção ambiental no Brasil”, disse, em referência ao papel dos artistas como agentes políticos.
Ofensas à ministra no Senado
O evento ocorreu semanas após a ministra Marina Silva ser alvo de comentários ofensivos durante audiência pública na Comissão de Infraestrutura do Senado. Os senadores Marcos Rogério (PL-RO) e Plínio Valério (PSDB-AM) tentaram deslegitimar a atuação da ministra em temas como licenciamento ambiental, exploração de petróleo na Foz do Amazonas e criação de unidades de conservação na Amazônia.
Em resposta, a mobilização artística ganhou ainda mais força. “Falam em progresso, mas querem legalizar o retrocesso. Prometem modernização, mas entregam destruição”, diz um trecho do manifesto. O documento faz um apelo à sociedade e ao Congresso para que escolham o caminho da proteção à vida e ao meio ambiente. E conclui: “Por um Brasil Indígena. Terra demarcada. Não ao PL da Devastação.”
A mobilização marca também um posicionamento estratégico do campo artístico e social em um momento crucial: em 2025, o Brasil sediará a COP 30, maior conferência climática do mundo. “Como vamos liderar essa agenda se não respeitamos nosso próprio território e os povos que o protegem?”, questiona o manifesto.

Veja na íntegra:
Manifesto “O Brasil Merece Respeito”
O Brasil que queremos exige coragem.
E começa com respeito.
Respeito aos que se colocam entre a devastação e a vida.
Respeito aos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses.
Respeito à Constituição. Respeito às florestas.
Respeito não é favor. É dever.
É o que o Congresso nega quando ataca o licenciamento ambiental,
uma proteção mínima que nos separa de tragédias como as de Mariana, Brumadinho, da Braskem.
Respeito é o que o Congresso pisa quando ignora o papel vital das Terras Indígenas no equilíbrio do clima,
na garantia da água que abastece cidades, plantações e o próprio agronegócio.
Falam em progresso, mas querem legalizar o retrocesso.
Prometem modernização, mas entregam destruição.
Querem apagar direitos para abrir caminho ao lucro imediato,
ainda que isso custe florestas, culturas milenares e o nosso futuro.
Querem um Brasil onde a mineração avança sobre territórios indígenas.
Onde as florestas são devastadas.
Onde se legisla com racismo, ódio e desinformação.
Mas nós dizemos: basta.
Porque cada direito violado é uma rachadura na democracia.
Em 2025, o Brasil será sede da COP 30, a convenção internacional sobre mudanças climáticas.
Como vamos liderar o mundo nessa luta se não respeitamos nosso meio ambiente e os povos indígenas?
Como falar de futuro se o presente é de queimadas, enchentes e tragédias anunciadas?
O Brasil precisa escolher.
Nós escolhemos estar do lado da vida.
Pelo respeito a quem defende a terra e a água.
Pela demarcação das Terras Indígenas.
Pela proteção das florestas.
Pelo futuro das nossas crianças.
Por um Brasil Indígena, Terra Demarcada.
Não ao PL da Devastação.
#OBrasilMereceRespeito
Por João Vitor Mendes | Revisão: redação
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