O papa Leão XIV reafirmou, nesta sexta-feira (16), durante seu primeiro discurso oficial ao corpo diplomático acreditado junto à Santa Sé, a doutrina tradicional da Igreja Católica sobre a importância da família formada por um homem e uma mulher como base essencial para a construção de sociedades justas, pacíficas e equilibradas.
“É responsabilidade dos governantes trabalhar para construir sociedades civis harmoniosas e pacíficas. Isso pode ser alcançado, sobretudo, investindo na família, fundada na união estável entre um homem e uma mulher”, declarou o pontífice, num dos momentos mais contundentes de sua fala no Vaticano.
A afirmação é vista como um reforço da posição conservadora da Igreja em temas relacionados à moral e à estrutura familiar, mesmo em meio às transformações sociais vividas nas últimas décadas. O discurso, no entanto, não se restringiu ao tema. O papa também abordou outras pautas relevantes e sensíveis no cenário global.
Relembrando declarações anteriores
A fala remete a uma declaração feita por Leão XIV em 2012, ainda como cardeal, quando criticou abertamente a “compaixão por escolhas de estilo de vida anticristãos” frequentemente promovidas pela mídia de massa. Na época, ele mencionou explicitamente os casais do mesmo sexo e os “seus filhos adotivos” como exemplos de estruturas familiares que não estariam em conformidade com os ensinamentos cristãos.
No entanto, mais de uma década depois, ao se tornar papa, ele afirmou que sua visão havia evoluído. “Minha posição se desenvolveu no sentido da necessidade de a Igreja se abrir e ser acolhedora”, disse em uma entrevista anterior. Essa mudança de tom tem sido interpretada como uma tentativa de equilibrar a doutrina com uma postura pastoral mais inclusiva.
Aborto, liberdade religiosa e diálogo inter-religioso
Durante o encontro com diplomatas, o pontífice também reiterou a posição histórica da Igreja contra o aborto, reafirmando o direito à vida desde a concepção como um princípio inegociável. “A vida humana é sagrada em todas as suas fases, e a sociedade não pode ignorar esse valor fundamental”, declarou.
Outro ponto abordado foi a liberdade religiosa, que, segundo o papa, continua sendo ameaçada em diversas regiões do mundo. Ele enfatizou a necessidade de proteger o direito de cada indivíduo professar sua fé sem medo ou perseguição, além de defender o fortalecimento do diálogo inter-religioso como ferramenta essencial para a construção da paz e da convivência entre povos de diferentes crenças.
Migração, armas e apelo pela paz
Leão XIV também utilizou o discurso para chamar a atenção da comunidade internacional para o tratamento dado aos migrantes e refugiados. Ele pediu que a dignidade dessas pessoas seja respeitada e que políticas públicas garantam não apenas acolhimento, mas também inclusão social e econômica.
“Eles não são apenas números, mas rostos, histórias, famílias que deixaram tudo para trás em busca de segurança e dignidade”, pontuou o papa, chamando os diplomatas a uma ação concreta em favor dos deslocados.
Em uma crítica direta à indústria bélica, o pontífice fez um apelo veemente para que os países parem de produzir e vender armas, priorizando iniciativas voltadas à diplomacia e à construção de uma cultura de paz. “Enquanto investirmos em instrumentos de morte, estaremos nos afastando da verdadeira vocação da humanidade”, afirmou.
Vaticano se propõe como mediador na guerra
Mais tarde, ainda nesta sexta-feira, o Vaticano sinalizou publicamente sua disposição em mediar o conflito entre Rússia e Ucrânia. Em declaração feita ao final de sua audiência com os diplomatas, Leão XIV reiterou o papel histórico da Santa Sé como facilitadora de diálogos de paz em tempos de guerra.
“A Santa Sé está sempre pronta para ajudar a reunir os inimigos, cara a cara, para que conversem entre si, para que os povos em todos os lugares possam mais uma vez encontrar esperança e recuperar a dignidade que merecem: a dignidade da paz”, afirmou.
Essa proposta reforça a imagem do papa como líder espiritual engajado não apenas em questões internas da Igreja, mas também na busca ativa por soluções para os desafios humanitários e políticos da atualidade.
Um pontificado que busca equilíbrio
O discurso inaugural de Leão XIV diante da diplomacia internacional deixa claro o caminho que pretende trilhar: a defesa firme dos valores tradicionais da Igreja, com abertura ao diálogo e ao acolhimento. Sua fala sinaliza que, embora as convicções doutrinárias permaneçam sólidas, há espaço para escuta, mediação e diplomacia num mundo em constante transformação.
O gesto de se colocar como mediador da paz, ao lado das reafirmações morais e sociais, parece consolidar o estilo de um papa que busca, acima de tudo, ser voz da reconciliação, da dignidade humana e da construção de pontes entre opostos dentro e fora da Igreja.
Por Alemax Melo | Revisão: Daniela Gentil