Em uma movimentação rara de unidade entre clubes historicamente rivais, dez dos vinte times da Série A do Campeonato Brasileiro divulgaram nesta quarta-feira (28/5) um manifesto conjunto contra o Projeto de Lei 2.985/2023, que busca restringir severamente a publicidade de casas de apostas no esporte nacional. A proposta, de autoria do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) e com relatoria de Carlos Portinho (PL-RJ), foi aprovada na Comissão de Esporte do Senado e agora aguarda votação em plenário.
O texto do projeto prevê a proibição de patrocínios diretos de empresas de apostas hoje, protagonistas no financiamento do futebol brasileiro em uniformes, placas de publicidade e outros espaços comerciais dos eventos esportivos. Também impede o uso de atletas e influenciadores em campanhas, restringe horários de veiculação e exige advertências sobre os riscos do vício em jogos. Segundo especialistas do setor, trata-se da legislação mais restritiva em debate no mundo quando se trata de apostas esportivas legalizadas.
De acordo com o manifesto assinado por clubes como Flamengo, Palmeiras, Atlético Mineiro, Fluminense, Grêmio e Fortaleza, entre outros, a aprovação da proposta pode representar um impacto de até R$ 1,6 bilhão por ano nas receitas do futebol nacional. As entidades argumentam que o veto atingirá especialmente clubes de menor expressão, que dependem do patrocínio das chamadas “bets” para manter seus departamentos de futebol profissional e de base, projetos sociais e até o funcionamento cotidiano.
“É preciso equilíbrio. Entendemos a necessidade de regulamentar, de coibir abusos e de proteger o consumidor. Mas retirar de forma drástica e imediata essa fonte de recursos pode significar a falência de dezenas de clubes, a paralisação de campeonatos e a desestruturação de um setor que emprega direta e indiretamente mais de 150 mil pessoas no Brasil”, diz o manifesto.
Hoje, todos dos clubes da Série A têm contratos com casas de apostas, muitas delas figurando como patrocinadoras máster posição de maior visibilidade e valor financeiro. O Santos, por exemplo, estampa a marca Viva Sorte. O Flamengo tem acordo com a Pixbet, enquanto o Corinthians firmou recentemente um contrato de cifras milionárias com a VaideBet. Esses acordos, em muitos casos, superam os R$ 50 milhões anuais.
Nos bastidores políticos, a tramitação do PL mobiliza tanto parlamentares quanto representantes do esporte e da indústria de apostas. O relator Carlos Portinho afirma que o objetivo não é atacar o futebol, mas proteger a população do que ele chama de “epidemia silenciosa” do vício em jogos. “O Brasil está vivendo uma pandemia de apostas. Se as casas estão ganhando tanto, é porque há milhões perdendo. É um problema de saúde pública. Os clubes precisam assumir responsabilidade social”, declarou Portinho durante a sessão na Comissão de Esporte.
Por outro lado, críticos do texto destacam que o projeto ignora o papel da publicidade regulada no combate ao mercado ilegal. Atualmente, o Brasil vive um “boom” das apostas, estimulado justamente pela legalização parcial ocorrida em 2018, por meio da Lei 13.756/18. No entanto, a regulamentação definitiva só ocorreu em 2023, e desde então, o setor cresceu exponencialmente. Dados do Ministério da Fazenda apontam que o mercado movimenta mais de R$ 12 bilhões por ano, com potencial de arrecadação tributária de quase R$ 2 bilhões anuais para o Estado.
Além dos clubes da elite, mais de 50 times das séries B, C e D também aderiram ao manifesto. A Liga do Futebol Brasileiro (Libra), que reúne 14 agremiações de diferentes divisões, é signatária do documento, incluindo nomes como Bahia, São Paulo, Santos, Vitória, Paysandu, Remo, Guarani, Sampaio Corrêa, entre outros.
A proposta ainda deve ser debatida no plenário do Senado e, se aprovada, segue para a Câmara dos Deputados. Caso também receba aval dos deputados, o texto ainda poderá ser sancionado ou vetado pelo presidente da República. O cenário é incerto. Representantes do governo federal têm adotado cautela, mas admitem preocupação com os possíveis reflexos econômicos da medida em ano de calendário esportivo intenso, que inclui o Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, Libertadores, Sul-Americana e as competições de base e femininas.
Em meio a esse impasse, cresce a pressão por um texto alternativo, que regule com mais responsabilidade e menos rigidez a atuação das casas de apostas no país. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), embora não tenha se manifestado oficialmente até o momento, articula com clubes e parlamentares para encontrar um meio-termo que preserve a integridade do esporte e os interesses econômicos dos envolvidos.
A votação final no Senado ainda não tem data confirmada, mas a expectativa é de que aconteça nas próximas semanas. Enquanto isso, clubes, atletas, dirigentes e até torcedores seguem atentos ao desdobramento de um projeto que pode redefinir as regras do jogo fora das quatro linhas.
Por: Alemax Melo I Por Laís Queiroz
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